domingo, 8 de março de 2015

Feixes de luz e versos entre Maiakóvski e o Sol

O Sol

                      Entre  Maiakóvski e o Sol, feixes de luz e versos...



"A extraordinária aventura acontecida a Vladimir Maiakóvski, certo verão, no campo"



"Cem sóis flamejavam no horizonte.

O pleno verão se despejava em julho.

Um tremendo calor boiava no ar

e isto aconteceu no campo.

Puchkino tem às costas

a corcunda do Monte Akula

enquanto a seus pés

uma aldeia retorce a casca enrugada

de seus telhados.

Atrás da aldeia havia

um buraco

onde todos os dias

lento e majestoso

o sol se escondia.

E a cada manhã

dali se levantava

rubro como sempre

para inundar o mundo.

Dia após dia

aquilo se repetia

até que acabou por me irritar

terrivelmente.

Enfim, num acesso de cólera

capaz de tudo abalar de medo,

gritei direto à cara do sol:

'Ei, tu! Desce daí!

Sai dessa cova piolhenta!'

Gritei-lhe nas bochechas:

'Tu, pedaço de vagabundo

vives deitado num berço de nuvens

enquanto eu tenho que ficar

aqui sentado

seja inverno ou verão

a desenhar cartazes'.

Bradei-lhe nas barbas:

'Espera!

Escuta, seu carranca de ouro,

por que, em vez de flanar por aí,

não vens me fazer uma visitinha?'



Que fiz eu!

Agora estou frito!

Eis que

em minha direção

o sol em pessoa

avança.

Suas pernas de luz

a largos passos

marcham sobre os campos.

Fingindo não estar assustado

ensaio a retirada.

Seus olhos agora

atingem o jardim.

Já o atravessam agora.

Através das janelas,

portas,

frestas,

penetra a massa solar.
Praia do Cardoso - Farol de Santa Marta - SC                                                                                                         Foto: Vilma Gama

E logo ao entrar,

recobrando o fôlego, diz

numa voz de baixo-profundo:

'Pela primeira vez

desde a criação do mundo

suspendi minha função.

Tu me convidaste?

Pois então, poeta,

tomemos o chá.

E não dispenso a geleia!'

Olhos lacrimejantes -

eu estava louco de calor -

apontei-lhe o samovar:

'Bem, queira sentar-se

meu astro!'

Ah! que diabo me fez soltar

aqueles insultos ao sol!

Encabulado

sentei-me na ponta da cadeira

com medo do que pudesse acontecer.
Praia do Cardoso - pôr-do-sol                                                                                                                                   Foto: Vilma Gama

Mas do sol fluía

uma estranha, serena luz

e dentro em pouco

já à vontade

os dois nos pusemos a conversar.

Falei-lhe de coisa e loisa

e de como a Rosta me arrasava.

Disse-me então o sol:

'Não te aflijas tanto.

Faze tudo o que te cabe.

Pensas, por acaso,

que para mim é fácil

isso de iluminar?

Experimenta e verás!

Mas, visto que assumi

o encargo de dar luz à terra,

pois então ilumino

o melhor que posso!'

E assim charlamos

até o escurecer...

perdão, até o momento

em que antes era noite.

Pois que espécie de escuridão

pode existir

quando o sol está presente?

Já agora, íntimos um do outro,

nos tuteamos* familiarmente.

Já agora, amigavelmente,

dou-lhe palmadinhas nas costas.




Então disse o sol:

'Bem, cá estamos, meu velho.

Tu e eu formamos uma dupla.

Voemos, poeta,

à altura das águias.

Cantemos

para espantar as trevas do mundo.

Eu derramo luz

e tu outro tanto fazes

esparzindo teus versos'.

O muro das sombras,

prisão das noites,

tombou

ao impacto gêmeo

dos canhões solares.
Prainha - Farol de Santa Marta - SC                                                                                                                          Foto: Vilma Gama

Feixes de luz e versos

brilhai quanto puderdes!

Se o outro te fatiga

e a noite pretende espichar

sua estúpida cabeça sonolenta

então compete a mim

erguer-me e brilhar

para que de novo ressoe

o carrilhão do dia.

Iluminar sempre

por toda a parte,

até o último alento

iluminar!

O resto não importa.

Tal é o meu lema,

igual ao do sol."

                                                        Maiakóvski

* Tutear - Tratar-se mutuamente por tu: Os portugueses tuteiam-se. O par tuteava-se com o rei.


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