segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Casa


Sobre o encantador "O paraíso são os outros", de Valter Hugo Mãe:


"Eu adoraria ver jacarés, ursos brancos ou cobras de dez metros. Uma vizinha da nossa rua tem uma vaidosa galinha d'angola. Eu gosto de animais e mais ainda dos esquisitos e invulgares, até dos que parecem feios por serem indispostos.
    Os bichos só são feios se não entendermos seus padrões de beleza. Um pouco como as pessoas. Ser feio é complexo e pode ser apenas um problema de quem observa.
        Eu uso óculos desde os cinco anos de idade. Estou sempre por detrás de uma janela de vidro. Não faz mal, é porque eu inteira sou a minha própria casa. Sou como o caracol, mas muito mais alta e veloz. A minha mãe também acha assim, que o corpo é casa. Habitamos com maior ou menor juízo."



domingo, 9 de novembro de 2014

Solução


"O amor precisa ser uma solução, não um problema. Toda 
a gente me diz: o amor é um problema. Tudo bem. Posso
dizer de outro modo: o amor é um problema mas a pessoa 
amada precisa ser uma solução."


"O paraíso são os outros" - Valter Hugo Mãe.

Uma criança reflete sobre o amor


                                                Com Américo Rodrigues, Biba Rigo, no show Tonho Penhasco Trio - 1.11.14


Uma criança reflete sobre o amor...


"Reparei desde pequena que os adultos vivem muito em casais. Mesmo que nem sempre sejam óbvios, porque algumas pessoas têm par mas andam avulsas como as solteiras, há casais de mulher com homem, há de homem com homem e outros de mulher com mulher. Há também casais de pássaros, coelhos, elefantes, besouros, pinguins - que são absurdamente fiéis -, quero dizer: há casais de pinguins, e até golfinhos podem ser casais. Tudo por causa do amor.
   O amor constrói. Gostarmos de alguém, mesmo quando estamos parados durante o tempo de dormir, é como fazer prédios ou cozinhar para mesas de mil lugares.
   Mas amar é um trabalho bom. A minha mãe diz."

Do livro "O paraíso são os outros" - Valter Hugo Mãe



 

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O paraíso são os outros

Vilma Gama e Valter Hugo Mãe. Noite de autógrafo do livro O paraíso são os outros, na Central Galeria de Arte - 6.11.14 Foto: Isa Prates

Aconteceu ontem (6) a noite de autógrafo do livro "O paraíso são os outros" de Valter Hugo Mãe, na Central Galeria de Arte, em São Paulo. O livro fala sobre o amor, sob a ótica de uma criança.
Surpresa feliz encontrar o escritor Ignácio de Loyola Brandão no meio de uma multidão de estranhos. Quando o reconhecemos e ele ouviu que falávamos dele, veio logo e conversou conosco como se fôssemos amigos. Estava com a esposa e disse para vermos algo no final do livro do Valter.
Ignácio de Loyola Brandão e Vilma Gama - abril de 2013 - Foto: Gedeão Dias

Curiosas fomos ver o que havia no final do livro e achamos o seguinte na Nota do Autor: "O paraíso são os outros vai todo dedicado à minha querida Olga Antonieta Almeida, mas guarda um forte abraço ao grande Ignácio de Loyola Brandão, de quem assisti a uma das mais belas declarações de amor, naturalmente feita à sua esposa, querida Márcia Gullo. Ignácio disse que, se pudesse voltar atrás, não sabia o que mudaria na sua vida. Disse, no entanto, saber o que não mudaria nunca: o amor por Márcia. Todos quantos ouvimos achamos ter acontecido ali, de modo espontâneo, a mais preciosa das situações da vida." Valter Hugo Mãe.

O livro O paraíso são os outros - Central Galeria de Arte - Foto: Isa Prates

Vilma Gama e Isa Prates com os livros autografados em Central Galeria de Arte - Foto: Vilma Gama


"Os casais formam-se para serem o paraíso. Ao menos, assim devia ser. Há casais que vivem num inferno, mas isso está errado. Pertencer a um casal tem de ser uma coisa boa. Eu, quando for adulta e encontrar que vou amar, vou querer ser feliz. Não vou nem ter paciência para quem me impedir. Precisamos fugir de toda a maldade antes que não saibamos mais fugir. A maldade tem de ser acabada logo na primeira situação..."

"O paraíso são os outros" - Valter Hugo Mãe

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Um mês

                                                                                                                                                                                      Foto: Barry Ennor


Ontem (5) o blog Dizeres Poéticos completou um mês de 

existência.

Para comemorar e retomar as publicações, o poeta-alvo do mês Manoel de Barros nos diz:



"Sobre meu corpo se deitou a noite (como se 

eu fosse um lugar de paina).

Mas eu não sou um lugar de paina.

Quando muito um lugar de espinhos.

Talvez um terreno baldio com insetos dentro.

Na verdade eu nem tenho ainda o sossego de

uma pedra.

Não tenho os predicados de uma lata.

Nem sou uma pessoa sem ninguém dentro -

feito um osso de gado

Ou um pé de sapato jogado no beco.

Não consegui ainda a solidão de um caixote -

tipo aquele engradado de madeira que o poeta

Francis Ponge fez dele um objeto de poesia.

Não sou sequer uma tapera, Senhor.

Não sou um traste que se preze.

Eu não sou digno de receber no meu corpo os

orvalhos da manhã."

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Abandono


Inexplicável talento com as palavras. Imagens, sentimentos 

que surgem a cada linha. Este é o poeta alvo deste primeiro 

mês do Dizeres Poéticos.




"Quando o mundo abandonar o meu olho.

Quando o meu olho furado de belezas for

esquecido pelo mundo.

Que hei de fazer?

Quando o silêncio que grita de meu olho não

for mais escutado.

Que hei de fazer?

Que hei de fazer se de repente a manhã voltar?

Que hei de fazer?

- Dormir, talvez chorar."


Manoel de Barros - Retrato do artista quando coisa

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Casa abandonada: uma reflexão.


A metáfora da casa abandonada nos remete a nós mesmos. Não sejamos casas abandonadas, sem sonhos, sem vida, essa é a mensagem do poeta de primeira grandeza, Manoel de Barros:


"Ao ver o abandono da velha casa: o mato a

crescer nas paredes

Ao ver os desenhos de mofo espalhados nos 

rebocos carcomidos

Ao ver o mato a subir no fogão, nos retratos,

nos armários

E até na bicicleta do menino encostada no 

batente da casa

Ao ver o musgo e os limos a tomar conta do

batente

Ao ver o abandono tão perto de mim que dava

até para lamber

Pensei em puxar o alarme

Mas o alarme não funcionou.

A nossa velha casa ficou para os morcegos e 

os gafanhotos.

E os melões-de-são-caetano que subiram pelas

paredes já estão dando seus frutos vermelhos."


Manoel de Barros - Retrato do artista quando coisa.