domingo, 19 de outubro de 2014

Desobjeto artístico



Reflexões sobre a utilidade dos objetos e das pessoas. 

A sociedade nos quer como seres úteis. As pessoas devem possuir somente coisas úteis. 
Para os seres humanos, os outros seres humanos devem ser úteis. Os objetos devem ter utilidade para quem os possui. 
E o que fazer com objetos e pessoas ditos inúteis, aos olhos de uma sociedade capitalista, que deseja utilizar pessoas como objetos úteis, para conseguir o almejado lucro?
O objeto inútil serve para a poesia. Manoel de Barros o chama de desobjeto artístico. 


"Desde criança ele fora prometido para lata

Mas era merecido de águas de pedras de árvores

de pássaros.

Por isso quase alcançou ser mago.

Nos apetrechos de Bernardo, que é o nome dele,

achei um canivete de papel.

Servia para não funcionar: na direção que um

canivete de papel não funciona.

Servia para não picar fumo.

Servia para não cortar unha.

Era bom para água mas obtuso para pedra.

Havia outro estrupício nos guardados de Bernardo.

Tratava-se de um Guindaste para Mosca.

Esse engenho, pra bem funcionar, havia que estar

ligado por um correia aos ventos da manhã.

Funcionava ao sabor dos ventos.

Imitava uma instalação.

Mas penso que seja um desobjeto artístico."



Do livro Retrato do artista quando coisa.

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