terça-feira, 21 de outubro de 2014

A Ilha Linguística

Aceitei o convite do poeta Manoel de Barros para um passeio por sua Ilha Linguística...





















"O lugar onde a gente morava era um Ilha

Linguística, no jargão dos Dialetólogos ( com

perdão da má palavra).

Isto seja: que a gente morava em lugar isolado:

núcleo de dez a vinte pessoas, onde poderia

germinar um idioleto.

Na enchente só entravam batelões e bois de sela

que iam levar mantimentos.

Senão a gente teria que chupar bocaiuva, comer

ovo de ema e tirar mel de pau para sobremesa.

Os anos passavam por longe, ninguém enxergava.

Nas campinas só havia trilheiros de anta.

Quase toda extensão era tomada por

frangos-d'água.

O resto ia no invento.

Pois que inventar aumenta o mundo.

A gene aprendia coisas de sexo vendo os

cachorros emendados, vendo os cavalos nas

éguas e os touros nas vacas.

Camões chamava a isso de 'Venéreo ajuntamento'.

Mas a gente não sabia de Camões e nem de

venéreos.

De novidade tinha por lá uma simpatia para

obter namoro.

Era rabo de lagartixa torrado.

O pó se jogava nos cabelos da moça.

Na primeira poção a moça cede - diziam.

Mas a Ilha Linguística para nós ainda era um

desnome."


Manoel de Barros - Retrato do artista quando coisa

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