Aceitei o convite do poeta Manoel de Barros para um passeio por sua Ilha Linguística...
"O lugar onde a gente morava era um Ilha
Linguística, no jargão dos Dialetólogos ( com
perdão da má palavra).
Isto seja: que a gente morava em lugar isolado:
núcleo de dez a vinte pessoas, onde poderia
germinar um idioleto.
Na enchente só entravam batelões e bois de sela
que iam levar mantimentos.
Senão a gente teria que chupar bocaiuva, comer
ovo de ema e tirar mel de pau para sobremesa.
Os anos passavam por longe, ninguém enxergava.
Nas campinas só havia trilheiros de anta.
Quase toda extensão era tomada por
frangos-d'água.
O resto ia no invento.
Pois que inventar aumenta o mundo.
A gene aprendia coisas de sexo vendo os
cachorros emendados, vendo os cavalos nas
éguas e os touros nas vacas.
Camões chamava a isso de 'Venéreo ajuntamento'.
Mas a gente não sabia de Camões e nem de
venéreos.
De novidade tinha por lá uma simpatia para
obter namoro.
Era rabo de lagartixa torrado.
O pó se jogava nos cabelos da moça.
Na primeira poção a moça cede - diziam.
Mas a Ilha Linguística para nós ainda era um
desnome."
Manoel de Barros - Retrato do artista quando coisa
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