domingo, 5 de outubro de 2014

Retrato do artista quando coisa

"Retrato do artista quando coisa", de Manoel de Barros, é um livro fantástico para quem gosta de poesia e para quem não aprecia o gênero. Ninguém passa impune por versos como: "Sabedoria pode ser que seja ser mais estudado em gente do que em livros" e "Pelos meus textos sou mudado mais do pelo meu existir".


Manoel de Barros nos propõe a ausência de limites. Através das palavras somos livres para ser o que quisermos. Ele nos convida no poema: 

"A menina apareceu grávida de um gavião. 

Veio falou para a mãe: O gavião me desmoçou. 

A mãe disse: Você vai parir uma árvore para 

a gente comer goiaba nela. 

E comeram goiaba. 

Naquele tempo de dantes não havia limites 

para ser. 

Se a gente encostava em ser ave ganhava o poder de

alçar. 

Se a gente falasse a partir de um córrego 

a gente pegava murmúrios. 

Não havia comportamento de estar. 

Urubus conversavam sobre auroras. 

Pessoas viravam árvore.

Pedras viravam rouxinóis. 

Depois veio a ordem das coisas e as pedras 

têm que rolar seu destino de pedra para o resto 
 
dos tempos. 

Só as palavras não foram castigadas com 

a ordem natural das coisas. 

As palavras continuam com os seus deslimites."


Eu dou a mão ao poeta Manoel de Barros e sigo por sua Ilha Linguística para entrar em estado de árvore, em estado de palavra, pois, diz ele em sua poesia, "só quem assume estado de palavra pode enxergar as coisas sem feitio".

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