quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Autodefinição - Jorge Luís Borges



"Sou"

"Sou o que sabe não ser menos vão
Que o vão observador que frente ao mudo
Vidro do espelho segue o mais agudo
Reflexo ou o corpo do irmão.
Sou, tácitos amigos, o que sabe
Que a única vingança ou o perdão
É o esquecimento. Um deus quis dar então
Ao ódio humano essa curiosa chave.
Sou o que, apesar de tão ilustres modos
De errar, não decifrou o labirinto
Singular e plural, árduo e distinto,
Do tempo, que é de um só e é de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada."

                                  




terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Livros - Jorge Luís Borges



O genial Jorge Luís Borges reflete sobre sua obra, e é

interessante testemunhar esse momento em que o criador 

pensa sobre o significado de seus escritos. É isso que nos 

traz o belíssimo poema abaixo:



"Os meus livros"


"Os meus livros (que não sabem que existo)

São uma parte de mim, como este rosto


De têmporas e olhos já cinzentos

Que em vão vou procurando nos espelhos

E que percorro com a minha mão côncava.

Não sem alguma lógica amargura

Entendo que as palavras essenciais,

As que me exprimem, estarão nessas folhas

Que não sabem quem sou, não nas que escrevo.

Mais vale assim. As vozes desses mortos

Dir-me-ão para sempre."


                       Jorge Luís Borges




segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Poema de Natal - Vinícius de Moraes

Fernando de Noronha                                                                                                                                                         Foto: Tuca Noronha
O poema de Vinícius de Moraes é dedicado à família Prado, que experimenta um momento delicado e desafiador em suas vidas. Homenagem e gratidão a Eurico Luís Costa Prado por acolher a todos em seu coração.



"Poema de Natal"


Para isso fomos feitos:

Para lembrar e ser lembrados

Para chorar e fazer chorar

Para enterrar os nossos mortos -

Por isso temos braços longos para os adeuses

Mãos para colher o que foi dado

Dedos para cavar a terra.



Assim será a nossa vida:

Uma tarde sempre a esquecer

Uma estrela a se apagar na treva

Por isso precisamos velar

Falar baixo, pisar leve, ver

A noite dormir em silêncio



Não há muito que dizer:

Uma canção sobre um berço

Um verso, talvez, de amor

Uma prece por quem se vai -

Mas que essa hora não esqueça

E por ela os nossos corações

Se deixem, graves e simples.



Pois para isso fomos feitos:

Para a esperança no milagre

Para a participação da poesia

Para ver a face da morte -

De repente nunca mais esperaremos...

Hoje à noite é jovem; da morte, apenas

Nascemos, imensamente."


                              Vinícius de Moraes


sábado, 13 de dezembro de 2014

Diálogo entre a poesia Instantes de Jorge Luís Borges e a música Epitáfio dos Titãs


Caverna da Ponta da Sapata  - Fernando de Noronha              Foto: Tuca Noronha

O polêmico poema, póstumo, de Jorge Luís Borges é o prato principal do cardápio do blog. Caso notem semelhanças entre a poesia "Instantes" e a letra da música "Epitáfio", de Sérgio Brito, da  banda Titãs, elas não terão sido mera coincidência. Seguem abaixo poema e músicas. Boas reflexões.

"Instantes"


"Se eu pudesse viver novamente a minha vida,

na próxima trataria de cometer mais erros.

Não tentaria ser tão perfeito,

relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido.

Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.

Seria menos higiênico. Correria mais riscos,

viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,

subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

Iria a mais lugares onde nunca fui,

tomaria mais sorvetes e menos lentilha,

teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata

e profundamente cada minuto de sua vida;

claro que tive momentos de alegria.

Mas se eu pudesse voltar a viver trataria somente 

de ter bons momentos.

Porque se não sabem, disso  é feita a vida, só de 

momentos;

não percam o agora.

Eu era um daqueles que nunca ia

a parte alguma sem um termômetro,

uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-

quedas e,

se voltasse a viver, viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver,

começaria a andar descalço no começo da primavera

e continuaria assim até o fim do outono.

Daria mais voltas na minha rua, 

contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais 

crianças,

se tivesse outra vez uma vida pela frente.

Mas, já viram, tenho 85 anos e estou morrendo."

Jorge Luís Borges









sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Pequenos gestos



Os pequenos gestos são importantes,

tomam corpo.

Pequenos gestos felizes são

coisas simples que fazem a diferença...

Encontrar um amigo por acaso, sem esperar,

e sentir que a pessoa se importa.

Ver uma criança pequena andar de patinete, ao lado da

mãe, em uma calçada perto de casa. A imagem deste fato, 

que aconteceu comigo, é sempre viva.

Rua Purpurina, trajeto.

A brincadeira do pequeno menino atravessou o 

caminho do trabalho, dissipou a poluição, o stress, e o 

temor, que rondavam.

A cena trouxe de volta o riso, sempre bem-vindo.

Era possível sentir que a felicidade do pequeno emanava 

daquele gesto simples e me atingia.

Andar de patinete na calçada, brincar despretensiosamente,

numa manhã ensolarada com seu patinete 

Despretensiosamente brincar. Fugir das armadilhas da 

mente.

Aquela imagem trouxe de volta o sorriso e a leveza, que 

devemos ter sempre no bolso.


Os pequenos gestos são importantes, tomam corpo e 

tornam a vida feliz.


Vilma Gama




quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Jorge Luís Borges e Valter Hugo Mãe - diálogo possível

                                                                                                                                                                                 Foto: Tuca Noronha
Depois de ler o livro "O paraíso são os outros", de Valter Hugo Mãe, não pude resistir ao impulso de relacionar um trecho da obra com o poema "Os Justos", de Jorge Luís Borges e estabelecer um diálogo entre os dois escritores.
A prosa de Valter nos remete à imagem do ser humano, que só se torna ser humano, na medida em que se relaciona com outros seres humanos. 
A poesia de Borges nos traz a imagem de pessoas, com as suas respectivas peculiaridades, que não se conhecem, no entanto são elas que salvam o mundo.
Prosa e  poesia seguem abaixo, para que todos possam tirar suas conclusões.

"Descubro cada vez mais que o paraíso são os outros. Vi num livro para adultos. Li só isso: o paraíso são os outros. A nossa felicidade depende de alguém. Eu compreendo bem."

Valter Hugo Mãe - "O Paraíso são os outros"


"Os Justos"

"Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.

O que agradece que na terra haja música.

O que descobre com prazer uma etimologia.

Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso

xadrez.

O ceramista que premedita uma cor e uma forma.

O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe

agrade.

Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de

certo canto.

O que acarinha um animal adormecido.

O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.

O que agradece que na terra haja Stevenson.

O que prefere que os outros tenham razão.

Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo."


Jorge Luis Borges, in "A Cifra"
Tradução de Fernando Pinto do Amaral

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Clarice Lispector



Hoje, 10, Clarice Lispector completaria 94 anos. Ela nasceu em 10 de dezembro de 1920 e deixou este mundo em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de completar 57 anos.
Eu li um livro maravilhoso dela chamado "Felicidade Clandestina". É a minha dica para os leitores. São contos que narram histórias da infância de Clarice.

Clarice Lispector e seu filho Paulo Gurgel Valente. Na foto ele lê seu primeiro livro


Fragmentos de escritos de Clarice com os quais me identifico:

"Não quero a terrível limitação de quem vive apenas o que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada."

"Às vezes me dá enjoo de gente. Depois passa e fico de novo toda curiosa e atenta. E é só."

"Um amigo me chamou para cuidar da dor dele, guardei a minha no bolso. E fui."

"Não me corrija. A pontuação é a respiração da frase, e minha frase respira assim. E se você me achou esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar."

"Você às vezes não estranha de ser você?"

"Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

                                                                   Clarice Lispector