quarta-feira, 18 de março de 2015

Motivo - Cecília Meireles e Fagner


Praça do condomínio                                                                                                                                                  Foto: Vilma Gama
Há muitos motivos para celebrar Cecília Meireles. 
Ela foi poetisa, professora, pedagoga e jornalista. 
A maioria de suas obras expressa estados de ânimo, predominam os sentimentos de perda amorosa e solidão. Uma das marcas do lirismo de Cecília Meireles é a musicalidade de seus versos. Alguns poemas como "Canteiros"' e "Motivo" foram musicados por Fagner. 
Comprovando a tese de musicalidade, no vídeo abaixo Fagner canta, ao vivo, "Paralelas", do amigo Belchior, e "Motivo", de Cecíla Meireles.


"Motivo"


"Eu canto porque o instante existe 
e a minha vida está completa. 
Não sou alegre nem sou triste: 
sou poeta. 


 Irmão das coisas fugidias, 
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias 
no vento. 

 Se desmorono ou se edifico, 
se permaneço ou me desfaço,
 - não sei, não sei. Não sei se fico 
ou passo. 


 Sei que canto. E a canção é tudo. 
Tem sangue eterno a asa ritmada. 
E um dia sei que estarei mudo: 
- mais nada."

                                  Cecília Meireles


Cecília Meireles

domingo, 15 de março de 2015

Cora Coralina nos aponta o caminho das pedras

Céu do dia 29 de dezembro de 2014                                                                                                                          Foto: Vilma Gama

Este espaço é de Cora Coralina.


"Aninha e suas pedras"



"Não te deixes destruir...

Ajuntando novas pedras

e construindo novos poemas.

Recria tua via, sempre, sempre.

Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha

um poema.

E viverás no coração dos jovens

e na memória das gerações que hão de vir.

Esta fonte é para uso de todos os sedentos.

Toma a tua parte.

Vem a estas páginas

e não entraves seu uso

aos que têm sede."


                             Cora Coralina

sábado, 14 de março de 2015

Belo planeta - música de Fagner e poesia de Florbela Espanca


Linda praia em Fernando de Noronha                                                                                                                          Foto: Tuca Noronha
Fagner no disco "Traduzir-se" apresenta o poema musicado "Fanatismo", de Florbela Espanca.
A poetisa portuguesa, nascida aos 8 de dezembro de 1894, despediu-se do planeta, aos 36 anos, em 8 de dezembro de 1930.


                                     "Fanatismo"



"Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida

Meus olhos andam cegos de te ver!

Não és sequer a razão do meu viver,

Pois que tu és já toda a minha vida!



Não vejo nada assim enlouquecida...

Passo no mundo, meu Amor, a ler

No misterioso livro do teu ser

A mesma história, tantas vezes lida!



Tudo no mundo é frágil, tudo passa...

Quando me dizem isto, toda a graça

Duma boca divina, fala em mim!



E, olhos postos em ti, digo de rastros:

Podem voar mundos, morrer astros,

Que tudo és como um deus: princípio e fim!"

Florbela Espanca



Florbela Espanca
                                                     



quinta-feira, 12 de março de 2015

Fragmento da poesia de Fernando Pessoa

Morro do Farol de Santa Marta - SC                                                                                                                               Foto: Vilma Gama


Posso me tornar uma pedra, uma flor ou uma ideia abstrata, eis a proposta lançada por Fernando Pessoa.




"A passagem das horas"



"Sentir tudo de todas as maneiras,

Viver tudo de todos os lados,

Ser a mesma cousa de todos os modos possíveis ao 

mesmo tempo,

Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos

Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.



Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,

Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,

Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,

Seja uma flor ou uma ideia abstrata,

Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.

E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo."

                                                     Fernando Pessoa

Farol de Santa Marta - SC                                                                                                                                          Foto: Vilma Gama


terça-feira, 10 de março de 2015

Renovar o mundo usando borboletas - Manoel de Barros

O poeta que se dizia "caçador de achadouros da infância", afirmou que poesia não é para compreender, mas para incorporar. "Entender é parede: procure ser árvore".
O videopoema abaixo é uma declaração de amor às palavras.





Manoel de Barros

segunda-feira, 9 de março de 2015

O medo segundo Manoel de Barros

Prainha e Praia Grande - Farol de Santa Marta - SC                                                                                               Foto: Vilma Gama


O medo é um sentimento humano. Ele nos acompanha em nossas vidas em muitos momentos. O que fazer se não podemos lhe dispensar a companhia. Eu recorro à poesia...



"Eu sou o medo da lucidez.

Choveu na palavra onde eu estava.

Eu via a natureza como quem a veste.

Eu me fechava com espumas.

Formigas vesúvias dormiam por baixo de trampas.

Peguei umas ideias com as mãos - como a peixes.

Nem era muito que eu me arrumasse por versos.

Aquele arame do horizonte que separava o morro do céu

 estava rubro.

Um rengo estacionou entre duas frases.

Um descor

Quase uma ilação do branco.

Tinha um palor atormentado a hora.

      O pato dejetava liquidamente ali." 

                                                                                                                             Manoel de Barros                                                          

domingo, 8 de março de 2015

Feixes de luz e versos entre Maiakóvski e o Sol

O Sol

                      Entre  Maiakóvski e o Sol, feixes de luz e versos...



"A extraordinária aventura acontecida a Vladimir Maiakóvski, certo verão, no campo"



"Cem sóis flamejavam no horizonte.

O pleno verão se despejava em julho.

Um tremendo calor boiava no ar

e isto aconteceu no campo.

Puchkino tem às costas

a corcunda do Monte Akula

enquanto a seus pés

uma aldeia retorce a casca enrugada

de seus telhados.

Atrás da aldeia havia

um buraco

onde todos os dias

lento e majestoso

o sol se escondia.

E a cada manhã

dali se levantava

rubro como sempre

para inundar o mundo.

Dia após dia

aquilo se repetia

até que acabou por me irritar

terrivelmente.

Enfim, num acesso de cólera

capaz de tudo abalar de medo,

gritei direto à cara do sol:

'Ei, tu! Desce daí!

Sai dessa cova piolhenta!'

Gritei-lhe nas bochechas:

'Tu, pedaço de vagabundo

vives deitado num berço de nuvens

enquanto eu tenho que ficar

aqui sentado

seja inverno ou verão

a desenhar cartazes'.

Bradei-lhe nas barbas:

'Espera!

Escuta, seu carranca de ouro,

por que, em vez de flanar por aí,

não vens me fazer uma visitinha?'



Que fiz eu!

Agora estou frito!

Eis que

em minha direção

o sol em pessoa

avança.

Suas pernas de luz

a largos passos

marcham sobre os campos.

Fingindo não estar assustado

ensaio a retirada.

Seus olhos agora

atingem o jardim.

Já o atravessam agora.

Através das janelas,

portas,

frestas,

penetra a massa solar.
Praia do Cardoso - Farol de Santa Marta - SC                                                                                                         Foto: Vilma Gama

E logo ao entrar,

recobrando o fôlego, diz

numa voz de baixo-profundo:

'Pela primeira vez

desde a criação do mundo

suspendi minha função.

Tu me convidaste?

Pois então, poeta,

tomemos o chá.

E não dispenso a geleia!'

Olhos lacrimejantes -

eu estava louco de calor -

apontei-lhe o samovar:

'Bem, queira sentar-se

meu astro!'

Ah! que diabo me fez soltar

aqueles insultos ao sol!

Encabulado

sentei-me na ponta da cadeira

com medo do que pudesse acontecer.
Praia do Cardoso - pôr-do-sol                                                                                                                                   Foto: Vilma Gama

Mas do sol fluía

uma estranha, serena luz

e dentro em pouco

já à vontade

os dois nos pusemos a conversar.

Falei-lhe de coisa e loisa

e de como a Rosta me arrasava.

Disse-me então o sol:

'Não te aflijas tanto.

Faze tudo o que te cabe.

Pensas, por acaso,

que para mim é fácil

isso de iluminar?

Experimenta e verás!

Mas, visto que assumi

o encargo de dar luz à terra,

pois então ilumino

o melhor que posso!'

E assim charlamos

até o escurecer...

perdão, até o momento

em que antes era noite.

Pois que espécie de escuridão

pode existir

quando o sol está presente?

Já agora, íntimos um do outro,

nos tuteamos* familiarmente.

Já agora, amigavelmente,

dou-lhe palmadinhas nas costas.




Então disse o sol:

'Bem, cá estamos, meu velho.

Tu e eu formamos uma dupla.

Voemos, poeta,

à altura das águias.

Cantemos

para espantar as trevas do mundo.

Eu derramo luz

e tu outro tanto fazes

esparzindo teus versos'.

O muro das sombras,

prisão das noites,

tombou

ao impacto gêmeo

dos canhões solares.
Prainha - Farol de Santa Marta - SC                                                                                                                          Foto: Vilma Gama

Feixes de luz e versos

brilhai quanto puderdes!

Se o outro te fatiga

e a noite pretende espichar

sua estúpida cabeça sonolenta

então compete a mim

erguer-me e brilhar

para que de novo ressoe

o carrilhão do dia.

Iluminar sempre

por toda a parte,

até o último alento

iluminar!

O resto não importa.

Tal é o meu lema,

igual ao do sol."

                                                        Maiakóvski

* Tutear - Tratar-se mutuamente por tu: Os portugueses tuteiam-se. O par tuteava-se com o rei.