Eduardo Galeano, escritor uruguaio, deixou o planeta na última segunda-feira (13), aos 74 anos.
Celebremos a sua presença nessas mais de sete décadas em que esteve por aqui.
Abaixo o vídeo da entrevista concedida por Galeano a Eric Nepomuceno no programa Sangue Latino.
Ele fala, encantadoramente, sobre inúmeros temas.
Destaquei o que ele disse sobre América Latina, crianças, utopia e função da literatura e da arte.
Vale cada um dos 23 minutos e 23 segundos de duração.
O mundo é um tecido de encontros e desencontros, de
perdas e ganhos e o melhor dos meus dias é aquele que
ainda não vivi. Somos muitíssimo mais do que nos dizem
que somos."
Função da literatura e da arte.
Um jornalista disse a Galeano em uma entrevista: "Lendo
seus livros sinto que você tem um olho no microscópio
e outro no telescópio".
"Achei uma boa definição das minhas intenções, do que eu
gostaria de fazer escrevendo, de ser capaz de olhar o que
não se olha, mas que merece ser olhado, as pequenas
coisas da gente anônima, esse micro-mundo onde eu
acredito que se alimenta de verdade a grandeza do
universo e ao mesmo tempo ser capaz de contemplar o
universo, através do buraco da fechadura, a partir das
pequenas coisas ser capaz de olhar as grandes, os
grandes mistérios da vida, o mistério da dor humana, mas
também o mistério da persistência humana nesta mania, às
vezes inexplicável de lutar por um mundo que seja a casa
de todos e não a casa de pouquinhos e o inferno da
maioria."
"A capacidade de beleza, a capacidade de
formosura da gente mais simples, às vezes da gente mais
singela, que tem uma insólita capacidade de formosura,
que, às vezes, se manifesta em uma canção, em um grafite,
em uma conversa qualquer, a que as crianças têm, o que
acontece é que depois nós, adultos, nos ocupamos em
transformá-las em nós mesmos e aí destruímos a vida
delas."
Victor Luís - Farol de Santa Marta - janeiro de 2015 Foto: Vilma Gama |
"As crianças são todas pagãs. Em uma de minhas
caminhadas cruzei com uma menina que devia ter uns dois
anos, que vinha brincando em sentido contrário e ela vinha
cumprimentando a grama, a graminha, as plantinhas, 'bom
dia graminha', dizia: 'bom dia graminha', ou seja, nessa
idade, somos todos pagãos e, nessa idade, somos todos
poetas, depois o mundo se ocupa de apequenar nossa
alma, isso que chamamos crescimento, desenvolvimento."
Victor Luís curtindo o aniversário do papai em 18.1.15 - Farol de Santa Marta Foto: Vilma Gama |
Numa boa - Victor Luís no Farol de Santa Marta - 14 de janeiro de 2015 Foto: Vilma Gama |
"Me solto do abraço, saio na rua
no céu, já clareando, se desenha, finita, a lua
a lua tem duas noites de idade
eu, uma."
Eduardo Galeano
Dia 6 de janeiro de 2015 -Praia do Cardoso iluminada pelo pôr-do-sol Foto: Vilma Gama |
Utopia
"Ainda existe espaço para a utopia no mundo de hoje?"
perguntou Eric Nepomuceno.
"Sim, no sentido que deu a ela Fernando Birri, em uma
frase que, injustamente, se atribui a mim.
Em um dos meus livros eu citei uma frase dele, dizendo
que era dele e as pessoas atribuem ela a mim,
pobre Fernando, mas é dele. Estávamos juntos em
Cartagena das Índias, a belíssima cidade colombiana,
e fizemos uma palestra juntos na universidade e um
estudante perguntou a ele: "Para que serve a utopia?"
E ele respondeu da melhor forma, eu nunca escutei uma
resposta melhor.
Ele disse que se fazia essa pergunta todos os dias, para
que servia a utopia?
Se é que a utopia servia para alguma coisa..."
Quase pôr-do-sol no Farol de Santa Marta - janeiro de 2015 Foto: Vilma Gama |
e se está no horizonte eu nunca vou alcançá-la
porque, se caminho dez passos, a utopia vai se distanciar
dez passos, e se caminho vinte passos, a utopia vai se
colocar vinte passos mais além, ou seja, que eu sei que
jamais, nunca, vou alcançá-la.
Para que serve?
Para isso, para caminhar.'"