terça-feira, 9 de junho de 2015

Seis ou treze coisas que aprendi sozinho - Manoel de Barros

                                                                                                                                                                                     Foto: Vilma Gama


"Seis ou treze coisas que aprendi sozinho"

Fragmentos 1,3,7 e 9


                                                           1

"Gravata de urubu não tem cor.

Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.

Luar em cima de casa exorta* cachorro.

Em perna de mosca salobra as águas se cristalizam.

Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.

Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.

No osso da fala dos loucos tem lírios.



               
                                                 3

Tem 4 teorias de árvore que eu conheço.

Primeira: que arbusto de monturo aguenta mais formiga.

Segunda: que uma planta de borra produz frutos ardentes.

Terceira: nas plantas que vingam por rachaduras lavra um 

poder mais lúbrico de antros.

Quarta: que há nas árvores avulsas uma assimilação maior 

de horizontes.




                                                                    7

Uma chuva é íntima

Se o homem a vê de uma parede umedecida de moscas;

Se aparecem besouros nas folhagens;

Se as lagartixas se fixam nos espelhos;

Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores;

E o escuro se umedeça em nosso corpo.




                                     9

Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a

lesma deixa risquinhos líquidos...

A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as 

palavras

Neste coito com letras!

Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-se

Na avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesma 

escorre...

Ela fode a pedra.

Ela precisa desse deserto para viver."



Manoel de Barros

do livro "O Guardador de Águas"

* Exorta - convida, estimula, persuade

segunda-feira, 8 de junho de 2015

José - Carlos Drummond de Andrade

                                                                                                                                                                                     Foto: Vilma Gama

"José"



"E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, Você?

Você que é sem nome,

que zomba dos outros,

Você que faz versos,

que ama, protesta?

E agora, José?



Está sem mulher,

está sem discurso,

está sem carinho,

já não pode beber,

já não pode fumar,

cuspir, já não pode,

a noite esfriou,

o dia não veio,

o bonde não veio,

o riso não veio,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou,

e agora, José?



E agora, José?

sua doce palavra,

seu instante de febre,

sua gula e jejum,

sua biblioteca,

sua lavra de ouro,

seu terno de vidro,

sua incoerência,

seu ódio, - e agora?



Com a chave na mão

quer abrir a porta,

não existe porta;

quer morrer no mar,

mas o mar secou;

quer ir para Minas,

Minas, não há mais.

José, e agora?



Se você gritasse,

se você gemesse,

se você tocasse,

a valsa vienense,

se você dormisse,

se você cansasse,

se você morresse...

Mas você não morre

você é duro, José!



Sozinho no escuro

qual bicho-do-mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja a galope,

você marcha José!

José, para onde?"





domingo, 7 de junho de 2015

Tempo de travessia - Fernando Pessoa



"Tempo de travessia"


"Há um tempo em que é preciso

abandonar as roupas usadas, 

que já não tem a forma de nosso corpo,


e esquecer os nossos caminhos,

que nos levam sempre aos mesmos lugares.

É o tempo da travessia:

e, se não ousarmos fazê-la, 

teremos ficado, para sempre,

à margem de nós mesmos."


Fernando Pessoa




O que vem depois de sábado Paulo Leminski?

Prainha, Praia Grande e horizonte - Farol de Santa Marta - SC                                                                                      Foto: Vilma Gama

"Você nunca vai saber o que vem depois de sábado,

quem sabe um século muito mais lindo e mais sábio,

quem sabe apenas mais um domingo."

Paulo Leminski


sábado, 6 de junho de 2015

Aniversário de oito meses do blog - O Tempo - Mário Quintana


"O Tempo"


"A vida é o dever que trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são seis horas!

Quando se vê, já é sexta-feira!

Quando se vê, já é Natal...

Quando se vê, já terminou o ano...

Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.

Quando se vê passaram 50 anos!

Agora é tarde demais para ser reprovado...

Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem

 olhava o relógio.

Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a 

casca dourada e inútil das horas...

Seguraria o amor que esta à minha frente e diria que eu o 

amo...

E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à   

falta de tempo.

Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser 

feliz.

A única falta que terá, será a desse tempo que, 

infelizmente, nunca mais voltará."


Mário Quintana



quarta-feira, 3 de junho de 2015

Vazio

                                                                                                                                                                                                   Van Gogh

"Vazio agudo

ando meio

cheio de tudo."


Paulo Leminski

terça-feira, 2 de junho de 2015

Matéria-prima do amor - Paulo Leminski

                                                                                                                                     Foto: Vilma Gama

"Amor, então,

também, acaba?

Não, que eu saiba.

O que eu sei

é que se transforma

num matéria-prima

que a vida se encarrega

de transformar em raiva.

Ou em rima."