segunda-feira, 29 de junho de 2015

mil poemas sobre Brasília - Valter Hugo Mãe

Manifestações de junho de 2013 em Brasília - O povo no Congresso Nacional                                                                               

"mil poemas sobre Brasília"


"escrevo desta forma mil poemas

sobre Brasília. o eixo largo antologia

meus sentimentos e eu sigo

baixo, só levantado por dentro

na alvura de Niemeyer que 

revelou o lugar para o meu

irmão nascer



escrevo desta forma mil poemas

sobre Brasília. pássaro buscando

o povo, voando por toda a

beleza que sai à rua e eu sigo

baixo, só levantado pela 

candura do meu irmão que

me traz identidade
                                   Fotografando o sonho coletivo                                                                                      Foto: Paula Cinquetti - Agência Senado


ao monumento, que um 

monumento é de fato o tamanho

verdadeiro do coração


e eu falo alto, tenho avenida

inteira um ataque tão

genuíno de paixão


Valter Hugo Mãe
do livro: mil e setenta e um poemas 


terça-feira, 16 de junho de 2015

Caminho difícil - Paulo Leminski

                                                                                                                                   Foto: Vilma Gama

"Vim pelo caminho difícil,

a linha que nunca termina,

a linha bate na pedra,

a palavra quebra uma esquina,

mínima linha vazia,

a linha, uma vida inteira,

palavra, palavra minha."


Paulo Leminski


segunda-feira, 15 de junho de 2015

Antes do começo - Octavio Paz


"Antes do começo"


Ruídos confusos, claridade incerta.

Outro dia começa.

Um quarto em penumbra

e dois corpos estendidos.

Em minha fronte me perco

numa planície vazia.

E as horas afiam suas navalhas.

Mas a meu lado tu respiras;

íntima e longínqua

fluis e não te moves.

Inacessível se te penso, 

com os olhos te apalpo,

te vejo com as mãos.

Os sonhos nos separam

e o sangue nos reúne:

Somos um rio que pulsa.

Sob tuas pálpebras amadurece

a semente do sol.

O mundo

No entanto, não é real,

o tempo duvida:

Só uma coisa é certa,

o calor da tua pele.

Em tua respiração escuto

as marés do ser,

a sílaba esquecida do Começo."


Octavio Paz



(tradução:  Antônio Moura)

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Irmandade - Octavio Paz



"Irmandade"


"Sou homem: duro pouco

e é enorme a noite.

Mas olho para cima:

as estrelas escrevem.

Sem entender compreendo:

também sou escritura

e neste mesmo instante

alguém me soletra."


Octavio Paz

O mexicano Octavio Paz (1914-1998) foi escritor, poeta e diplomata, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Fragmentos 12 e 13 - Manoel de Barros - Seis ou treze coisas que aprendi sozinho

                                                                                                                                                                                                    Vah Gogh

"Seis ou treze coisas que aprendi sozinho"




                                                                     12
                                   
"Seu França não presta pra nada -

Só pra tocar violão.

De beber água no chapéu as formigas já sabem quem ele é.

Não presta pra nada.

Mesmo que dizer:

- Povo que gosta de resto de sopa é mosca.

Disse que precisa de não ser ninguém toda vida.

De ser o nada desenvolvido.

E disse que o artista tem origem nesse ato suicida.



                                                          13

Lugar em que há decadência.

Em que as casas começam a morrer e são habitadas por

morcegos.

Em que os capins lhes entram, aos homens, casas portas

a dentro.

Em que os capins lhes subam pernas acima, seres a

dentro.

Luares encontrarão só pedras mendigos cachorros.

Terrenos sitiados pelo abandono, apropriados à indigência.

Onde os homens terão a força da indigência.

E as ruínas darão frutos."



Manoel de Barros

do livro "O Guardador de Águas"

terça-feira, 9 de junho de 2015

Seis ou treze coisas que aprendi sozinho - Manoel de Barros

                                                                                                                                                                                     Foto: Vilma Gama


"Seis ou treze coisas que aprendi sozinho"

Fragmentos 1,3,7 e 9


                                                           1

"Gravata de urubu não tem cor.

Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.

Luar em cima de casa exorta* cachorro.

Em perna de mosca salobra as águas se cristalizam.

Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.

Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.

No osso da fala dos loucos tem lírios.



               
                                                 3

Tem 4 teorias de árvore que eu conheço.

Primeira: que arbusto de monturo aguenta mais formiga.

Segunda: que uma planta de borra produz frutos ardentes.

Terceira: nas plantas que vingam por rachaduras lavra um 

poder mais lúbrico de antros.

Quarta: que há nas árvores avulsas uma assimilação maior 

de horizontes.




                                                                    7

Uma chuva é íntima

Se o homem a vê de uma parede umedecida de moscas;

Se aparecem besouros nas folhagens;

Se as lagartixas se fixam nos espelhos;

Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores;

E o escuro se umedeça em nosso corpo.




                                     9

Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a

lesma deixa risquinhos líquidos...

A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as 

palavras

Neste coito com letras!

Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-se

Na avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesma 

escorre...

Ela fode a pedra.

Ela precisa desse deserto para viver."



Manoel de Barros

do livro "O Guardador de Águas"

* Exorta - convida, estimula, persuade

segunda-feira, 8 de junho de 2015

José - Carlos Drummond de Andrade

                                                                                                                                                                                     Foto: Vilma Gama

"José"



"E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, Você?

Você que é sem nome,

que zomba dos outros,

Você que faz versos,

que ama, protesta?

E agora, José?



Está sem mulher,

está sem discurso,

está sem carinho,

já não pode beber,

já não pode fumar,

cuspir, já não pode,

a noite esfriou,

o dia não veio,

o bonde não veio,

o riso não veio,

não veio a utopia

e tudo acabou

e tudo fugiu

e tudo mofou,

e agora, José?



E agora, José?

sua doce palavra,

seu instante de febre,

sua gula e jejum,

sua biblioteca,

sua lavra de ouro,

seu terno de vidro,

sua incoerência,

seu ódio, - e agora?



Com a chave na mão

quer abrir a porta,

não existe porta;

quer morrer no mar,

mas o mar secou;

quer ir para Minas,

Minas, não há mais.

José, e agora?



Se você gritasse,

se você gemesse,

se você tocasse,

a valsa vienense,

se você dormisse,

se você cansasse,

se você morresse...

Mas você não morre

você é duro, José!



Sozinho no escuro

qual bicho-do-mato,

sem teogonia,

sem parede nua

para se encostar,

sem cavalo preto

que fuja a galope,

você marcha José!

José, para onde?"