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Foto: Vilma Gama |
"Seis ou treze coisas que aprendi sozinho"
Fragmentos 1,3,7 e 9
1
"Gravata de urubu não tem cor.
Fincando na sombra um prego ermo, ele nasce.
Luar em cima de casa exorta* cachorro.
Em perna de mosca salobra as águas se cristalizam.
Besouros não ocupam asas para andar sobre fezes.
Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.
No osso da fala dos loucos tem lírios.
3
Tem 4 teorias de árvore que eu conheço.
Primeira: que arbusto de monturo aguenta mais formiga.
Segunda: que uma planta de borra produz frutos ardentes.
Terceira: nas plantas que vingam por rachaduras lavra um
poder mais lúbrico de antros.
Quarta: que há nas árvores avulsas uma assimilação maior
de horizontes.
7
Uma chuva é íntima
Se o homem a vê de uma parede umedecida de moscas;
Se aparecem besouros nas folhagens;
Se as lagartixas se fixam nos espelhos;
Se as cigarras se perdem de amor pelas árvores;
E o escuro se umedeça em nosso corpo.
9
Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a
lesma deixa risquinhos líquidos...
A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as
palavras
Neste coito com letras!
Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-se
Na avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesma
escorre...
Ela fode a pedra.
Ela precisa desse deserto para viver."
Manoel de Barros
do livro "O Guardador de Águas"
* Exorta - convida, estimula, persuade