terça-feira, 30 de junho de 2015

Obsessão do Mar Oceano - Mário Quintana

Prainha - Farol de Santa Marta - SC - Américo e Victor                                                                                                   Foto: Vilma Gama

"Obsessão do Mar Oceano"


"Vou andando feliz pelas ruas sem nome...

Que vento bom sopra do Mar Oceano!

Meu amor eu nem sei como se chama,

Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...

Mas há vasos cobertos de conchinhas

Sobre as mesas... e moças nas janelas

Com brincos e pulseiras de coral...

Búzios calçando portas... caravelas

Sonhando imóveis sobre velhos pianos...

Nisto,

Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,

E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,

De su'alma perdida e vaga na neblina...

Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!

Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,

Uma caixa de música

Uma bússola

Um mapa figurado

Uns poemas cheios de beleza única

De estarem inconclusos...

Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!

E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...

Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,

Quando eu também já não tiver mais nome."


     Mário Quintana



segunda-feira, 29 de junho de 2015

contra mim bate a esperta difusão - Valter Hugo Mãe


Saquarema - RJ                                                                                                                                                                                         


"contra mim bate a esperta difusão"


"contra mim bate a esperta difusão

do tempo, a extensa confusão do

olhar, a vibrante galeria da

cor: o espaço, durante uma

pequena e qualquer loucura, não

me componho.

se não somos mudos, ficarei

surdo. nestas rochas onde o

sol se desleixa e persegue as

águias que escondem ninhos

secos.

e é quando tento agarrar

o sol que reparo ter

as mãos convexas."


Valter Hugo Mãe

Do livro: Estou escondido na cor amarga do fim da tarde

mil poemas sobre Brasília - Valter Hugo Mãe

Manifestações de junho de 2013 em Brasília - O povo no Congresso Nacional                                                                               

"mil poemas sobre Brasília"


"escrevo desta forma mil poemas

sobre Brasília. o eixo largo antologia

meus sentimentos e eu sigo

baixo, só levantado por dentro

na alvura de Niemeyer que 

revelou o lugar para o meu

irmão nascer



escrevo desta forma mil poemas

sobre Brasília. pássaro buscando

o povo, voando por toda a

beleza que sai à rua e eu sigo

baixo, só levantado pela 

candura do meu irmão que

me traz identidade
                                   Fotografando o sonho coletivo                                                                                      Foto: Paula Cinquetti - Agência Senado


ao monumento, que um 

monumento é de fato o tamanho

verdadeiro do coração


e eu falo alto, tenho avenida

inteira um ataque tão

genuíno de paixão


Valter Hugo Mãe
do livro: mil e setenta e um poemas 


terça-feira, 16 de junho de 2015

Caminho difícil - Paulo Leminski

                                                                                                                                   Foto: Vilma Gama

"Vim pelo caminho difícil,

a linha que nunca termina,

a linha bate na pedra,

a palavra quebra uma esquina,

mínima linha vazia,

a linha, uma vida inteira,

palavra, palavra minha."


Paulo Leminski


segunda-feira, 15 de junho de 2015

Antes do começo - Octavio Paz


"Antes do começo"


Ruídos confusos, claridade incerta.

Outro dia começa.

Um quarto em penumbra

e dois corpos estendidos.

Em minha fronte me perco

numa planície vazia.

E as horas afiam suas navalhas.

Mas a meu lado tu respiras;

íntima e longínqua

fluis e não te moves.

Inacessível se te penso, 

com os olhos te apalpo,

te vejo com as mãos.

Os sonhos nos separam

e o sangue nos reúne:

Somos um rio que pulsa.

Sob tuas pálpebras amadurece

a semente do sol.

O mundo

No entanto, não é real,

o tempo duvida:

Só uma coisa é certa,

o calor da tua pele.

Em tua respiração escuto

as marés do ser,

a sílaba esquecida do Começo."


Octavio Paz



(tradução:  Antônio Moura)

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Irmandade - Octavio Paz



"Irmandade"


"Sou homem: duro pouco

e é enorme a noite.

Mas olho para cima:

as estrelas escrevem.

Sem entender compreendo:

também sou escritura

e neste mesmo instante

alguém me soletra."


Octavio Paz

O mexicano Octavio Paz (1914-1998) foi escritor, poeta e diplomata, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Fragmentos 12 e 13 - Manoel de Barros - Seis ou treze coisas que aprendi sozinho

                                                                                                                                                                                                    Vah Gogh

"Seis ou treze coisas que aprendi sozinho"




                                                                     12
                                   
"Seu França não presta pra nada -

Só pra tocar violão.

De beber água no chapéu as formigas já sabem quem ele é.

Não presta pra nada.

Mesmo que dizer:

- Povo que gosta de resto de sopa é mosca.

Disse que precisa de não ser ninguém toda vida.

De ser o nada desenvolvido.

E disse que o artista tem origem nesse ato suicida.



                                                          13

Lugar em que há decadência.

Em que as casas começam a morrer e são habitadas por

morcegos.

Em que os capins lhes entram, aos homens, casas portas

a dentro.

Em que os capins lhes subam pernas acima, seres a

dentro.

Luares encontrarão só pedras mendigos cachorros.

Terrenos sitiados pelo abandono, apropriados à indigência.

Onde os homens terão a força da indigência.

E as ruínas darão frutos."



Manoel de Barros

do livro "O Guardador de Águas"