quarta-feira, 15 de julho de 2015

A rua dos cataventos - Mário Quintana

                                                                                                                                    Foto: Vilma Gama

"A rua dos cataventos"



"Da primeira vez que me assassinaram,

Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.

Depois, a cada vez que me mataram,

Foram levando qualquer coisa minha.



Hoje, dos meus cadáveres eu sou

O mais desnudo, o que não tem mais nada.

Arde um toco de vela amarelada,

Como único bem que me ficou.



Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!

Pois dessa mão avaramente adunca

Não haverão de arrancar a luz sagrada!




Aves da noite! Asas do horror! Voejai!

Que a luz trêmula e triste como um ai,

A luz de um morto não se apaga nunca!"


Mário Quintana

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Espelho - Mário Quintana - Aniversário de 9 meses do blog


"Espelho"



"Por acaso, surpreendo-me no espelho:

Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (...)

Parece meu velho pai - que já morreu! (...)

Nosso olhar duro interroga:

'O que fizeste de mim?' Eu pai? Tu é que me invadiste.

Lentamente, ruga a ruga... Que importa!

Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre

E os teus planos enfim lá se foram por terra,

Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!

Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste..."



Mário Quintana


quinta-feira, 2 de julho de 2015

Saudade - Clarice Lispector


                                                                                                                                                                                        Foto: Vilma Gama


"Saudade é um pouco como fome.

Só passa quando se come a presença.

Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é 

pouco:

quer-se absorver a outra pessoa toda.

Essa vontade de um ser o outro

para uma unificação inteira

é um dos sentimentos mais urgentes

que se tem na vida."


Clarice Lispector

terça-feira, 30 de junho de 2015

Obsessão do Mar Oceano - Mário Quintana

Prainha - Farol de Santa Marta - SC - Américo e Victor                                                                                                   Foto: Vilma Gama

"Obsessão do Mar Oceano"


"Vou andando feliz pelas ruas sem nome...

Que vento bom sopra do Mar Oceano!

Meu amor eu nem sei como se chama,

Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...

Mas há vasos cobertos de conchinhas

Sobre as mesas... e moças nas janelas

Com brincos e pulseiras de coral...

Búzios calçando portas... caravelas

Sonhando imóveis sobre velhos pianos...

Nisto,

Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,

E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,

De su'alma perdida e vaga na neblina...

Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!

Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,

Uma caixa de música

Uma bússola

Um mapa figurado

Uns poemas cheios de beleza única

De estarem inconclusos...

Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!

E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...

Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,

Quando eu também já não tiver mais nome."


     Mário Quintana



segunda-feira, 29 de junho de 2015

contra mim bate a esperta difusão - Valter Hugo Mãe


Saquarema - RJ                                                                                                                                                                                         


"contra mim bate a esperta difusão"


"contra mim bate a esperta difusão

do tempo, a extensa confusão do

olhar, a vibrante galeria da

cor: o espaço, durante uma

pequena e qualquer loucura, não

me componho.

se não somos mudos, ficarei

surdo. nestas rochas onde o

sol se desleixa e persegue as

águias que escondem ninhos

secos.

e é quando tento agarrar

o sol que reparo ter

as mãos convexas."


Valter Hugo Mãe

Do livro: Estou escondido na cor amarga do fim da tarde

mil poemas sobre Brasília - Valter Hugo Mãe

Manifestações de junho de 2013 em Brasília - O povo no Congresso Nacional                                                                               

"mil poemas sobre Brasília"


"escrevo desta forma mil poemas

sobre Brasília. o eixo largo antologia

meus sentimentos e eu sigo

baixo, só levantado por dentro

na alvura de Niemeyer que 

revelou o lugar para o meu

irmão nascer



escrevo desta forma mil poemas

sobre Brasília. pássaro buscando

o povo, voando por toda a

beleza que sai à rua e eu sigo

baixo, só levantado pela 

candura do meu irmão que

me traz identidade
                                   Fotografando o sonho coletivo                                                                                      Foto: Paula Cinquetti - Agência Senado


ao monumento, que um 

monumento é de fato o tamanho

verdadeiro do coração


e eu falo alto, tenho avenida

inteira um ataque tão

genuíno de paixão


Valter Hugo Mãe
do livro: mil e setenta e um poemas 


terça-feira, 16 de junho de 2015

Caminho difícil - Paulo Leminski

                                                                                                                                   Foto: Vilma Gama

"Vim pelo caminho difícil,

a linha que nunca termina,

a linha bate na pedra,

a palavra quebra uma esquina,

mínima linha vazia,

a linha, uma vida inteira,

palavra, palavra minha."


Paulo Leminski