sexta-feira, 31 de julho de 2015

Ah! Os relógios - Mário Quintana


Ontem, 30 de julho, se estivesse aqui pelo planeta, Mário Quintana completaria 109 anos.
Em homenagem ao adorável poeta o blog publica hoje os poemas “Ah! Os relógios” – “Relógio” – que tratam do tempo;  e ainda, “Sesta antiga”  - “Canção da garoa” – “Os arroios” – “Os Poemas” – que falam por si. 
Boa leitura! 
Viva Quintana!




"Ah! Os relógios"


"Amigos, não consultem os relógios

quando um dia eu me for de vossas vidas

em seus fúteis problemas tão perdidas

que até parecem mais uns necrológios...



Porque o tempo é um invenção da morte:

não o conhece a vida - a verdadeira -

em que basta um momento de poesia

para nos dar a eternidade inteira.



Inteira, sim, porque essa vida eterna

somente por si mesma é dividida:

não cabe, a cada qual, uma porção.



E os Anjos entreolham-se espantados

quando alguém - ao voltar a si da vida -

acaso lhes indaga que horas são..."


Gonzaguinha e Mário Quintana

Relógio - Mário Quintana




"Relógio"



"O mais feroz dos animais domésticos

é o relógio de parede:

conheço um que já devorou

três gerações da minha família."



Mário Quintana

Sesta antiga e Canção da garoa - Mário Quintana


  

"Sesta antiga"


"A ruazinha lagarteando ao sol.

O coreto de música deserto

Aumenta ainda mais o silêncio.

Nem um cachorro.

Este poeminho

É só o que acontece no mundo..."


Mário Quintana


Os arroios - Mário Quintana


"Os arroios"


"Os arroios são rios guris...

Vão pulando e cantando dentre as pedras.

Fazem borbulhas d'água no caminho: bonito!

Dão vau aos burricos,

às belas morenas,

curiosos das pernas das belas morenas.

E às vezes vão tão devagar

que conhecem o cheiro e a cor das flores

que se debruçam sobre eles nos matos que atravessam

e onde parece quererem sestear.

Às vezes uma asa branca roça-os, súbita emoção

como a nossa se recebêcemos o miraculoso encontrão

de um anjo...

Mas nem nós nem os rios sabemos nada disso.

Os rios tresandam óleo e alcatrão

e refletem, em vez de estrelas,

os letreiros das firmas que transportam utilidades.

Que pena me dão os arroios,

os inocentes arroios..."



Mário Quintana

Os poemas - Mário Quintana

Na janela de casa                                                                                                                                                         Foto: Vilma Gama

"Os poemas"


"Os poemas são pássaros que chegam

não se sabe de onde e pousam

no livro que lês.



Quando fechas o livro, eles alçam voo

como de um alçapão.

Eles não têm pouso

nem porto

alimentam-se um instante em cada par de mãos

e partem. 

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,

no maravilhoso espanto de saberes

que o alimento deles já estava em ti..."





*Fonte: Quintana, Mário, Esconderijos do tempo, Porto Alegre: L&PM, 1980

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Não tenho pressa - Alberto Caeiro


"Não tenho pressa"


"Não tenho pressa. Pressa de quê?

Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.

Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,

Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.

Não; não sei ter pressa.

Se estendo o braço, chego exatamente aonde

                                           [o meu braço chega -

Nem um centímetro mais longe.

Toco só onde toco, não aonde penso.

Só me posso sentar aonde estou.

E isto faz rir como todas as verdades absolutamente 

verdadeiras,

Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre 

noutra coisa,

E vivemos vadios da nossa realidade.

E estamos sempre fora dela porque estamos aqui."


Alberto Caeiro

O que sentimos é o que temos - Ricardo Reis



Prainha - Farol de Santa Marta - manhã de 13 de janeiro de 2015                                                                                     Foto: Vilma Gama

"O que sentimos é o que temos"



"O que sentimos é o que temos, não o que é sentido,

É o que temos.

Claro, o inverno triste

Como à sorte o acolhamos,

Haja inverno na terra, não na mente.

E, amor a amor, ou livro a livro, amemos

Nossa caveira breve."



Ricardo Reis