sexta-feira, 1 de maio de 2015

O trabalho do poeta - Manoel de Barros


"O menino que carregava água na peneira"


"Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino

que carregava água na peneira.


A mãe disse que carregar água na peneira

era o mesmo que roubar um vento e

sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
Carpas - Parque da Água Branca                                                                                                                                      Foto: Vilma Gama

A mãe disse que era o mesmo

que catar espinhos na água.

O mesmo que criar peixes no bolso.


O menino era ligado em despropósitos.

Quis montar os alicerces

de uma casa sobre orvalhos.


A mãe reparou que o menino

gostava mais do vazio, do que do cheio.

Falava que vazios são maiores e até infinitos


Com o tempo aquele menino

que era cismado e esquisito,

porque gostava de carregar água na peneira,


Com o tempo ele descobriu que

escrever seria o mesmo

que carregar água na peneira.


No escreve o menino viu

que era capaz de ser noviça,

monge ou mendigo ao mesmo tempo.


O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.


Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor.


A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!

Você vai carregar água na peneira a vida toda.
                                                                                                                                                                                       Manoel de Barros
Você vai encher os vazios

com as suas peraltagens,

e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!"


                                                                  Manoel de Barros

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Caso queira, deixe seu comentário, ele será extremamente bem-vindo!