quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A espantosa realidade das cousas - Alberto Caeiro

São Paulo - dezembro de 2014                                                                                                                                   Foto: Vilma Gama

"A espantosa realidade das cousas"





"A espantosa realidade das cousas

É a minha descoberta de todos os dias.

Cada cousa é o que é,

E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,

E quanto isso me basta.



Basta existir para se ser completo.



Tenho escrito bastantes poemas.

Hei de escrever muitos. Naturalmente.



Cada poema meu diz isto,

E todos os meus poemas são diferentes,

Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.



Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.

Não me ponho a pensar se ela sente.

Não me perco a chamar-lhe minha irmã.

Mas gosto dela por ela ser uma pedra.

Gosto dela porque ela não sente nada.

Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.



Outras vezes oiço passar o vento,

E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter 

nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;

Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem 

estorvo,

Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;

Porque o penso sem pensamentos

Porque o digo como as minhas palavras o dizem.



Uma vez chamaram-me poeta materialista,

E eu admirei-me, porque não julgava

Que se me pudesse chamar qualquer cousa.

Eu nem sequer sou poeta: vejo,

Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho;

O valor está ali, nos meus versos,

Tudo isso é absolutamente independente da minha 

vontade."



Alberto Caeiro

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