quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Jorge Luís Borges e Valter Hugo Mãe - diálogo possível

                                                                                                                                                                                 Foto: Tuca Noronha
Depois de ler o livro "O paraíso são os outros", de Valter Hugo Mãe, não pude resistir ao impulso de relacionar um trecho da obra com o poema "Os Justos", de Jorge Luís Borges e estabelecer um diálogo entre os dois escritores.
A prosa de Valter nos remete à imagem do ser humano, que só se torna ser humano, na medida em que se relaciona com outros seres humanos. 
A poesia de Borges nos traz a imagem de pessoas, com as suas respectivas peculiaridades, que não se conhecem, no entanto são elas que salvam o mundo.
Prosa e  poesia seguem abaixo, para que todos possam tirar suas conclusões.

"Descubro cada vez mais que o paraíso são os outros. Vi num livro para adultos. Li só isso: o paraíso são os outros. A nossa felicidade depende de alguém. Eu compreendo bem."

Valter Hugo Mãe - "O Paraíso são os outros"


"Os Justos"

"Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.

O que agradece que na terra haja música.

O que descobre com prazer uma etimologia.

Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso

xadrez.

O ceramista que premedita uma cor e uma forma.

O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe

agrade.

Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de

certo canto.

O que acarinha um animal adormecido.

O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.

O que agradece que na terra haja Stevenson.

O que prefere que os outros tenham razão.

Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo."


Jorge Luis Borges, in "A Cifra"
Tradução de Fernando Pinto do Amaral

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Clarice Lispector



Hoje, 10, Clarice Lispector completaria 94 anos. Ela nasceu em 10 de dezembro de 1920 e deixou este mundo em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de completar 57 anos.
Eu li um livro maravilhoso dela chamado "Felicidade Clandestina". É a minha dica para os leitores. São contos que narram histórias da infância de Clarice.

Clarice Lispector e seu filho Paulo Gurgel Valente. Na foto ele lê seu primeiro livro


Fragmentos de escritos de Clarice com os quais me identifico:

"Não quero a terrível limitação de quem vive apenas o que é possível fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada."

"Às vezes me dá enjoo de gente. Depois passa e fico de novo toda curiosa e atenta. E é só."

"Um amigo me chamou para cuidar da dor dele, guardei a minha no bolso. E fui."

"Não me corrija. A pontuação é a respiração da frase, e minha frase respira assim. E se você me achou esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar."

"Você às vezes não estranha de ser você?"

"Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

                                                                   Clarice Lispector

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Escada

Algo que escrevi e que gostaria de compartilhar com os leitores do blog.


Escada

subir um degrau de cada vez.

Devagar

para observar as cores e formas da vida esparramada pelo

 trajeto.

Nunca parar.

Subir até o topo

e descobrir os novos horizontes do futuro.


                                                             Vilma Gama

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

À Plena Voz




A voz que ecoa, vinda do século XX, é a do poeta Maiakóvski. Ouçamos este fragmento do poema intitulado "À Plena Voz".

"Daqui a pouco, duas horas...

                        Estás deitada talvez.

Dentro da noite

                      qual um Oka¹ de prata

                                             flui a via-láctea.

Tenho muito tempo

                             e os clarões dos telegramas

não virão mais

                     te despertar

                                         te atormentar.

Como se diz, está encerrado o incidente.

O  barco do amor

                        quebrou-se contra a vida cotidiana.

Estamos quites

                       contigo.

                                  Inútil passar em revista

as dores,

     as desgraças,

 e os erros recíprocos.

Vê, 

      que paz sobre o universo,

a noite impôs ao céu

                                 uma servidão

                                           de tantas e quantas estrelas.


É a hora

    em que a gente se levanta

                                  e em que se fala

aos séculos,

                  à história,

                                ao universo..."


1. Rio da Rússia, afluente do Volga.


                                                                                                                     Foto: Tuca Noronha


domingo, 7 de dezembro de 2014


Gato olhando o horizonte - 30.11.14                                                                                                                        Foto: Vilma Gama
Olhar longe, enxergar as nossas memórias inventadas de infância, como que inspirados por Manoel de Barros. Lembro de, aos cinco anos, pular na piscina sem saber nadar e quase me afogar. Lembro do parque de diversões e do circo. Lembro das brincadeiras, na rua, com as crianças da vizinhança. Lembro dos aniversários e das festas. Lembro de ter vivido tudo tão rápido.

Mais um pouco das memórias inventadas contadas por Manoel de Barros, neste lindo poema, que está no livro “Retrato do artista quando coisa”.


A gente se negava corromper-se aos bons

costumes.

A gente examinava a racha dura das lagartixas

Só para brincar de ciência.

A gente grosava a peça dos morcegos com o

lado cego das facas

Só para vê-los chiar com mais entusiasmo.

Fazíamos meninagem com as priminhas à

sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais

Só de homenagem ao nosso Casimiro de Abreu.

Não era mister de ser versado em Kant pra se

saber que os passarinhos da mesma plumagem

voam juntos.

Nem era preciso ser versado em Darwin pra se

saber que os carrapichos não pregam no vento.

Que, apois:

Sábio não é o homem que inventou a primeira

bomba atômica.

Sábio é o menino que inventou a primeira

lagartixa.”


Manoel de Barros 


Gato nos observando                                                                                                                                                 Foto: Vilma Gama
                                  



sábado, 6 de dezembro de 2014

Memórias de uma infância inventada - Manoel de Barros





Memórias são todas aquelas coisas que se traduzem dentro
de nós através de emoções. 
Da infância, lembro do delicioso sorvete, feito por uma vizinha, que era servido nas festas juninas feitas na rua de casa. Todos os vizinhos se reuniam, cada um preparava uma guloseima, havia fogueira e diversão.
Era inverno e fazia frio, mas adorava aquele sorvete e nunca mais experimentei nada igual.




  "Remexo com um pedacinho de arame nas

minhas memórias fósseis.

Tem por lá um menino a brincar no terreiro:

entre conchas, osso de arara, pedaços de pote,

sabugos, asas de caçarolas etc.

E tem um carrinho de bruços no meio do

terreiro.

O menino cangava dois sapos e os botava a

puxar o carrinho.

Faz de conta que ele carregava areia e pedras

no seu caminhão.

O menino também puxava, nos becos de sua

aldeia, por um barbante sujo umas latas tristes.

Era sempre um barbante sujo.

Eram sempre umas latas tristes.

O menino é hoje um homem douto que trata

com física quântica.

Mas tem nostalgia das latas.

Tem saudades de puxar por um barbante sujo

uma latas tristes."

                                                   Manoel de Barros


sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Aniversário de dois meses do blog




 Nessa trajetória temporal de dois meses pude constatar a

beleza, a verdade, as invenções, as alegrias e as aflições 

dos autores que por aqui deram o ar da graça. 

Nomes como Manoel de Barros - que só dava importância

 para coisas desimportantes. Com ele criamos um laço de 

afeto e eis que no dia 13 de novembro passado, nos deixou 

no planeta Terra e partiu para 

novos horizontes poéticos.  Manoel estará sempre presente, 

enquanto  houver leitores  encantados com suas 

invenções, com o  jeito que ele lidava com as palavras.

Outro Manoel também nos visitou, o Bandeira, além

de Vinícius de Moraes, que fez 100 anos em outubro. Paulo 

Leminski, José Saramago, Maiakóvski, Bob Marley, Os

 Opalas, Baby do Brasil, e o pequeno Victor Luís.

Para celebrar esse espaço-tempo de dois meses, 

um lindo poema de Manoel de Barros, que está no

livro "Retrato do artista quando coisa".




“Sentado sobre uma pedra estava o homem


Desenvolvido a moscas.


Ele me disse, soberano:


Estou a jeito de uma lata, de um cabelo, de um cadarço.


Não tenho mais nenhuma ideia sobre o mundo.


Acho um tanto obtuso ter ideias.


Prefiro fazer vadiagem com letras.


Ao fazer vadiagem com letras posso ver quanto

é branco o silêncio do orvalho.”