Depois de ler o livro "O paraíso são os outros", de Valter Hugo Mãe, não pude resistir ao impulso de relacionar um trecho da obra com o poema "Os Justos", de Jorge Luís Borges e estabelecer um diálogo entre os dois escritores.
A prosa de Valter nos remete à imagem do ser humano, que só se torna ser humano, na medida em que se relaciona com outros seres humanos.
A poesia de Borges nos traz a imagem de pessoas, com as suas respectivas peculiaridades, que não se conhecem, no entanto são elas que salvam o mundo.
Prosa e poesia seguem abaixo, para que todos possam tirar suas conclusões.
"Descubro cada vez mais que o paraíso são os outros. Vi num livro para adultos. Li só isso: o paraíso são os outros. A nossa felicidade depende de alguém. Eu compreendo bem."
Valter Hugo Mãe - "O Paraíso são os outros"
"Os Justos"
"Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso
xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez não lhe
agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de
certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo."
Jorge Luis Borges, in "A Cifra"
Tradução de Fernando Pinto do Amaral