Espaço para reflexão, comunicação e ação. Textos poéticos e em prosa serão alvos principais. Música, cinema, teatro e jornalismo também terão seus lugares assegurados. Como diz Manoel de Barros: "Pelos meus textos sou mudado mais do que pelo meu existir".
sábado, 7 de março de 2015
quinta-feira, 5 de março de 2015
Aniversário de cinco meses do blog - Manoel de Barros
Uma imagem vale mais do que mil palavras |
Em comemoração aos cinco meses de existência do Dizeres Poéticos reverenciamos uma figura, que segundo Drummond foi o grande poeta do século XX. Do Pantanal para o mundo, Manoel de Barros.
"Prefácio"
"Assim é que elas foram feitas (todas as coisas) -
sem nome.
Depois é que veio a harpa e a fêmea em pé.
Insetos errados de cor caíam no mar.
A voz se estendeu na direção da boca.
Caranguejos apertavam mangues.
Vendo que havia na terra
Dependimentos demais
E tarefas muitas -
Os homens começaram a roer unhas.
Ficou certo pois não
Que as moscas iriam iluminar
O silêncio das coisas anônimas.
Porém, vendo o Homem
Que as moscas não davam conta de iluminar o
Silêncio das coisas anônimas -
Passaram essa tarefa para os poetas."
Manoel de Barros
quarta-feira, 4 de março de 2015
Poderoso Manoel de Barros
Carpa - Parque da Água Branca Foto: Vilma Gama |
No meio líquido, as enormidades poéticas de Manoel de Barros...
"Tratado geral das grandezas do ínfimo"
"A poesia está guardada nas palavras - é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Carpas Foto: Vilma Gama |
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as
insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios."
Coloridas Foto: Vilma Gama |
segunda-feira, 2 de março de 2015
Jorge Luís Borges - poema para pessoas de rara beleza
Horizonte, beleza rara. - Farol de Santa Marta Foto: Vilma Gama |
"Os Justos"
"Um homem que cultiva o seu jardim, como queria Voltaire.
O que agradece que na terra haja música.
O que descobre com prazer uma etimologia.
Dois empregados que num café do Sul jogam um silencioso
xadrez.
O ceramista que premedita uma cor e uma forma.
O tipógrafo que compõe bem esta página, que talvez
não lhe agrade.
Uma mulher e um homem que lêem os tercetos finais de
certo canto.
O que acarinha um animal adormecido.
O que justifica ou quer justificar um mal que lhe fizeram.
O que agradece que na terra haja Stevenson.
O que prefere que os outros tenham razão.
Essas pessoas, que se ignoram, estão a salvar o mundo."
Jorge Luis Borges, in "A Cifra"
Tradução de Fernando Pinto do Amaral
domingo, 1 de março de 2015
Inexplicável quantidade de céu
Prainha - Farol de Santa Marta - inexplicável a quantidade de céu Foto: Vilma Gama |
A inexplicável quantidade de céu registrada na foto dá o tom da poesia.
"Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes
navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas..."
Fragmento do poema "Chuva oblíqua" de Fernando Pessoa
sábado, 28 de fevereiro de 2015
Poema para o final de tarde de um dia chuvoso
Farol de Santa Marta - SC Foto: Vilma Gama |
"Deste modo ou daquele modo,
Conforme calha ou não calha.
Podendo às vezes dizer o que penso
E outras vezes dizendo-o mal e com misturas
Vou escrevendo os meus versos sem querer,
Como se escrever não fosse uma cousa feita de gestos,
Como se escrever fosse uma cousa que me acontecesse
Como dar-me o sol de fora.
Procuro dizer o que sinto
Sem pensar em que o sinto.
Procuro encostar as palavras à ideia
E não precisar dum corredor
Do pensamento para as palavras.
Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a
nado
Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me
ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza produziu.
E assim escrevo, querendo sentir a Natureza, nem sequer
como um homem,
Mas como quem sente a Natureza, e mais nada.
E assim escrevo, ora bem, ora mal,
Ora acertando com o que quero dizer, ora errando,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho como um cego teimoso.
Ainda assim, sou alguém.
Sou o Descobridor da Natureza.
Sou o Argonauta das sensações verdadeiras.
Trago ao Universo um novo Universo
Porque trago ao Universo ele próprio.
Isto sinto e isto escrevo
Perfeitamente sabedor e sem que não veja
Que são cinco horas do amanhecer
E que o sol, que ainda não mostrou a cabeça
Por cima do muro do horizonte,
Ainda assim já se lhe veem as pontas dos dedos
Agarrando o cimo do muro
Do horizonte cheio de montes baixos."
Alberto Caeiro
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015
A poesia de Alberto Caeiro. Flores sentem? Pedras têm alma?
Vegetação nativa - Farol de Santa Marta - SC Foto: Vilma Gama |
"Li hoje quase duas páginas
Do livro dum poeta místico,
E ri como quem tem chorado muito.
Os poetas místicos são filósofos doentes,
E os filósofos são homens doidos.
Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem
E dizem que as pedras têm alma
E que os rios têm êxtases ao luar.
Mas as flores, se sentissem, não eram flores,
Eram gente;
E se as pedras tivessem alma, eram cousas vivas, não eram
pedras;
E se os rios tivessem êxtases ao luar,
Os rios seriam homens doentes.
É preciso não saber o que são flores e pedras e rios
Para falar dos sentimentos deles.
Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,
É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.
Graças a Deus que as pedras são só pedras,
E que os rios não são senão rios,
E que as flores são apenas flores.
Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente,
Porque sei que compreendo a natureza por fora;
E não a compreendo por dentro
Porque a Natureza não tem dentro;
Senão não era a Natureza."
Alberto Caeiro
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