sexta-feira, 3 de abril de 2015

Continuamente me estranho - reflexões - Fernando Pessoa

                                                                                                                                                                                      Foto: Vilma Gama


O estranhamento de ser quem somos, eis o tema que nos atrai e que nos brinda o belo poema de Fernando Pessoa.



"Não sei quantas almas tenho"



"Não sei quantas almas tenho.

Cada momento mudei.


Continuamente me estranho.

Nunca me vi nem acabei.

De tanto ser, só tenho alma.

Quem tem alma não tem calma.

Quem vê é só o que vê,

Quem sente não é quem é,



Atento ao que sou e vejo,

Torno-me eles e não eu.

Cada meu sonho ou desejo

É do que nasce e não meu.

Sou minha própria paisagem;

Assisto à minha passagem,

Diverso, móbil e só,

Não sei sentir-me onde estou.



Por isso, alheio, vou lendo

Como páginas, meu ser.

O que segue não prevendo,

O que passou a esquecer.

Noto à margem do que li

O que julguei que senti.

Releio e digo: 'Fui eu?'

Deus sabe, porque o escreveu."


                                                                  Fernando Pessoa



quinta-feira, 2 de abril de 2015

Para dizer em bares - de Manuel Bandeira para Mário Quintana

Manuel Bandeira




"Meu Quintana"



"Meu Quintana os teus cantares

Não são, Quintana, cantares:

São, Quintana, quintanares.


Quinta-essência de cantares...

Insólitos, singulares...

Cantares? Não! Quintanares!


Quer livres, quer regulares,

Abrem sempre os teus cantares

Como flor de quintanares.


São feitos esses cantares

De um tudo-nada: ao falares,

Luzem estrelas luares.


São para dizer em bares

Como em mansões seculares

Quintana, os teus quintanares.


Sim, em bares, onde os pares

Se beijam, sem que repares

Que são casais exemplares.


E quer no pudor dos lares.

Que no horror dos lupanares.

Cheiram sempre os teus cantares


Ao ar dos melhores ares,

Pois são simples, invulgares.

Quintana, os teus quintanares.


Por isso peço não pares,

Quintana, nos teus cantares...

Perdão! Digo, quintanares."

                                                                    Manuel Bandeira

*Nota: O poema foi escrito por Manuel Bandeira para Mário Quintana, após sua terceira rejeição na Academia Brasileira de Letras.












segunda-feira, 30 de março de 2015

Chegamos de muito longe - sensibilidade - A poesia de Mário Quintana

A caminho da Praia do Cardoso - Farol de Santa Marta - SC                                                                                Foto: Vilma Gama



"A verdadeira arte de viajar"


"A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,

Como se estivessem abertos diante de nós todos os 

caminhos do mundo.

Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam

 ali...

Chegamos de muito longe, de alma aberta e o coração 

cantando!"


                              Mário Quintana








domingo, 29 de março de 2015

Um rio nunca é o mesmo, ou a impermanência da vida - Mário Quintana

Cachoeira do Escorrega em Maromba - Visconde de Mauá - RJ                                                                                                        

"Canção do dia de sempre"


"Tão bom viver dia-a-dia...

A vida assim, jamais cansa...



Viver tão só de momentos

Como estas nuvens no céu...



É só ganhar, toda a vida,

Inexperiência... esperança...



E a rosa louca dos ventos

Presa à copa do chapéu.



Nunca dês um nome a um rio:

Sempre é outro rio a passar.



Nada jamais continua,

Tudo vai recomeçar!



E sem nenhuma lembrança

Das outras vezes perdidas,

Atiro a rosa do sonho

Nas tuas mãos distraídas..."



                             Mário Quintana






sábado, 28 de março de 2015

Poeminha do Contra - Mário Quintana


Visitantes muito bem-vindos na janela de casa                                                                                                                Foto: Vilma Gama



"Poeminha do Contra"


"Todos estes que aí estão

Atravancando o meu caminho,

Eles passarão.

Eu passarinho!"


Mário Quintana


                                                                                                                                                                                       Mário Quintana     

sexta-feira, 27 de março de 2015

Sonho - por Mário Quintana



Flor na rua de casa                                                                                                                                                      Foto: Vilma Gama

"Sonho*"

"Um poema em que não se notasse nem a suspeita ênfase da simplicidade e que, ao lê-lo, nem sentirias que ele já estivesse escrito, mas que fosse brotando, no mesmo instante, de teu próprio coração."

Mário Quintana






* Poema publicado originalmente no livro Da preguiça como método de trabalho, retirado de Poesia Completa – Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 704)

terça-feira, 24 de março de 2015

Tempo - compositor de destinos


                                                                                                                                                                  Praia do Rosa - Imbituba - SC


Aprendi que muitas vezes vivemos no tempo, quando viajamos de metrô, ônibus, carro, avião, barco etc nos deslocamos. Não podemos dizer que estamos em São Paulo ou quase chegando ao nosso destino. Estamos em movimento, estamos no tempo. Não estou em um lugar definido, estou no quilômetro 10, depois de algum tempo estou no quilômetro 11 da estrada tal. Estou no tempo.

Dá um tempo, faz um tempo. Não tenho tempo. Quanto tempo. Naquele tempo. O tempo não pára. A poesia de Caetano reverencia o tempo.


"Oração Ao Tempo"



"És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho

Tempo, tempo, tempo, tempo


Vou te fazer um pedido


Tempo, tempo, tempo, tempo


Compositor de destinos

Tambor de todos os ritmos


Tempo, tempo, tempo, tempo


Entro num acordo contigo


Tempo, tempo, tempo, tempo


Por seres tão inventivo


E pareceres contínuo

Tempo, tempo, tempo, tempo


És um dos deuses mais lindos


Tempo, tempo, tempo, tempo


Que sejas ainda mais vivo


No som do meu estribilho

Tempo, tempo, tempo, tempo


Ouve bem o que te digo


Tempo, tempo, tempo, tempo


Peço-te o prazer legítimo


E o movimento preciso

Tempo, tempo, tempo, tempo


Quando o tempo for propício


Tempo, tempo, tempo, tempo


De modo que o meu espírito


Ganhe um brilho definido

Tempo, tempo, tempo, tempo


E eu espalhe benefícios


Tempo, tempo, tempo, tempo


O que usaremos pra isso


Fica guardado em sigilo

Tempo, tempo, tempo, tempo


Apenas contigo e migo


Tempo, tempo, tempo, tempo


E quando eu tiver saído


Para fora do teu círculo

Tempo, tempo, tempo, tempo


Não serei nem terás sido


Tempo, tempo, tempo, tempo


Ainda assim acredito

Ser possível reunirmo-nos


Tempo, tempo, tempo, tempo


Num outro nível de vínculo

Tempo, tempo, tempo, tempo

Portanto peço-te aquilo


E te ofereço elogios

Tempo, tempo, tempo, tempo


Nas rimas do meu estilo


Tempo, tempo, tempo, tempo."




           Caetano Veloso