sexta-feira, 24 de abril de 2015

Leminski


  "Acordei bemol"



  "Acordei bemol


tudo estava sustenido sol fazia


só não fazia sentido."

                                                                          Paulo Leminski



quinta-feira, 23 de abril de 2015

Um dia... - Paulo Leminski



"um dia

a gente ir ser  homero

a obra nada menos que uma ilíada



depois


a barra pesando


dava pra ser aí um rimbaud


um ungaretti um fernando pessoa qualquer


um lorca um éluard um ginsberg





por fim


acabamos o pequeno poeta de província


que sempre fomos


por trás de tantas máscaras


que o tempo tratou como a flores."



                                                                       Paulo Leminski


                                                           Paulo Leminski
                                                    

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Quem dera eu achasse um jeito de fazer tudo perfeito - Paulo Leminski

                                          

Sujeito indireto


Quem dera eu achasse um jeito

de fazer tudo perfeito,

feito a coisa fosse o projeto

e tudo já nascesse satisfeito.

Quem dera eu visse o outro lado,

o lado de lá, lado meio,

onde o triângulo é quadrado

e o torto parece direito.

Quem dera um ângulo reto.

Já começo a ficar cheio

de não saber quando eu falto,

de ser, mim, indireto sujeito."

Paulo Leminski

Sem compromisso

Baleia-de-Bryde almoça um cardume de sardinhas  na Península da Baixa Califòrnia - México                                             Foto: Doug Perrine
Sardinha 

excesso de espinha

Então por que comê-la desta vez?

Bastante ômega três.

                                      Vilma Gama



terça-feira, 21 de abril de 2015

Ó 21 de abril, que intrigas de ouro e sonho, houve em tua formação? - Cecília Meireles



"Romanceiro da Inconfidência" (trecho) 

"Fala inicial"

"Não posso mover meus passos

Por esse atroz labirinto

De esquecimento e cegueira

Em que amores e ódios vão:

- pois sinto  bater os sinos,

percebo o roçar das rezas,

vejo o arrepio da morte,

à voz da condenação;



                                                A pintora  Cecília Meireles

- avisto a negra masmorra

e a sombra do carcereiro

que transita sobre angústias,

com chaves no coração;

- descubro as altas madeiras

do excessivo cadafalso

e, por muros e janelas,

o pasmo da multidão.

Batem patas de cavalos.

Suam soldados imóveis.

Na frente dos oratórios,

que vale mais a oração?

Vale a voz do Brigadeiro

sobre o povo e sobre a tropa,

louvando a augusta Rainha,

- já louca e fora do trono -

na sua Proclamação.


             A poetisa Cecília Meireles

Ó meio-dia confuso,

ó vinte-e-um de abril sinistro,

que intrigas de ouro e de sonho

houve em tua formação?

Quem condena, julga e pune?

Que é culpado e inocente?

Na mesma cova do tempo

Cai o castigo e o perdão.

Morre a tinta das sentenças

e o sangue dos enforcados...

- liras, espadas e cruzes

pura cinza agora são.

Na mesma cova, as palavras,

e o secreto pensamento,

as coroas e os machados,

mentiras e verdade estão.

Aqui, além, pelo mundo,

ossos, nomes, letras, poeira...


                                     A escritora Cecília Meireles

Onde, os rostos? onde, as almas?

Nem os herdeiros recordam

rastro nenhum pelo chão.

Ó grandes muros sem eco,

presídios de sal e treva

onde os homens padeceram

sua vasta solidão...


                                           A professora Cecília Meireles

Não choraremos o que houve,

nem os que chorar queremos:

contra rocas de ignorância

rebenta nossa aflição.

Choraremos esse mistério,

esse esquema sobre-humano,

a força, o jogo, o acidente

da indizível conjunção

que ordena vidas e mundos

em pólos inexoráveis

de ruína e de exaltação.

Ó silenciosas vertentes

por onde se precipitam

inexplicáveis torrentes,

por eterna escuridão!
                                                                    Foto: Vilma Gama

... "Romance XXIV ou Da bandeira da Inconfidência" (trecho)

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras!

Ó vitórias, festas, flores

das lutas da Independência!


                    A jornalista Cecília Meireles

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta:

que não há ninguém que explique,

e ninguém que não entenda!


E a vizinhança não dorme:

murmura, imagina, inventa.

Não fica bandeira escrita,

mas fica escrita a sentença."

                                            Cecília Meireles

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Aprendemos com os nossos erros - Paulo Leminski




"nunca cometo o mesmo erro duas vezes

já cometo duas

três

quatro

cinco

seis

até esse erro aprender que só o erro tem vez."


domingo, 19 de abril de 2015

Eduardo Galeano - um olho no microscópio e outro no telescópio


Eduardo Galeano, escritor uruguaio, deixou o planeta na última segunda-feira (13), aos 74 anos. 
Celebremos a sua presença nessas mais de sete décadas em que esteve por aqui.
Abaixo o vídeo da entrevista concedida por Galeano a Eric Nepomuceno no programa Sangue Latino. 
Ele fala, encantadoramente, sobre inúmeros temas. 
Destaquei o que ele disse sobre América Latina, crianças, utopia e função da literatura e da arte.
Vale cada um dos 23 minutos e 23 segundos de duração.


"América Latina é a pátria das diversidades humanas.

O mundo é um tecido de encontros e desencontros, de 

perdas e ganhos e o melhor dos meus dias é aquele que 

ainda não vivi. Somos muitíssimo mais do que nos dizem

que somos."




Função da literatura e da arte.

Um jornalista disse a Galeano em uma entrevista: "Lendo 

seus livros sinto que você tem um olho no microscópio

e outro no telescópio".

"Achei uma boa definição das minhas intenções, do que eu 

gostaria de fazer escrevendo, de ser capaz de olhar o que 

não se olha, mas que merece ser olhado, as pequenas 

coisas da gente anônima, esse micro-mundo onde eu 

acredito que se alimenta de verdade a grandeza do 

universo e ao mesmo tempo ser capaz de contemplar o 

universo, através do buraco da fechadura, a partir das 

pequenas coisas ser capaz de olhar as grandes, os 

grandes mistérios da vida, o mistério da dor humana, mas 

também o mistério da persistência humana nesta mania, às 

vezes inexplicável de lutar por um mundo que seja a casa 

de todos e não a casa de pouquinhos e o inferno da 

maioria."




"A capacidade de beleza, a capacidade de 

formosura da gente mais simples, às vezes da gente mais 

singela, que tem uma insólita capacidade de formosura, 

que, às vezes, se manifesta em uma canção, em um grafite, 

em uma conversa qualquer, a que as crianças têm, o que 

acontece é que depois nós, adultos, nos ocupamos em 

transformá-las em nós mesmos e aí destruímos a vida 

delas." 
Victor Luís - Farol de Santa Marta - janeiro de 2015                                                                                              Foto: Vilma Gama

"As crianças são todas pagãs. Em uma de minhas 

caminhadas cruzei com uma menina que devia ter uns dois 

anos, que vinha brincando em sentido contrário e ela vinha 

cumprimentando a grama, a graminha, as plantinhas, 'bom 

dia graminha', dizia: 'bom dia graminha', ou seja, nessa 

idade, somos todos pagãos e, nessa idade, somos todos 

poetas, depois o mundo se ocupa de apequenar nossa 

alma, isso que chamamos crescimento, desenvolvimento."


Victor Luís curtindo o aniversário do papai em 18.1.15 - Farol de Santa Marta                                                 Foto: Vilma Gama


Numa boa - Victor Luís no Farol de Santa Marta - 14 de janeiro de 2015                                                                      Foto: Vilma Gama


"Me solto do abraço, saio na rua

no céu, já clareando, se desenha, finita, a lua

a lua tem duas noites de idade

eu, uma."

Eduardo Galeano


Dia 6 de janeiro de 2015 -Praia do Cardoso iluminada pelo pôr-do-sol                                                               Foto: Vilma Gama
Utopia

"Ainda existe espaço para a utopia no mundo de hoje?" 

perguntou Eric Nepomuceno.

"Sim, no sentido que deu a ela Fernando Birri, em uma 

frase que, injustamente, se atribui a mim.

Em um dos meus livros eu citei uma frase dele, dizendo 

que era dele e as pessoas atribuem ela a mim, 

pobre Fernando, mas é dele. Estávamos juntos em 

Cartagena das Índias, a belíssima cidade colombiana,

e fizemos uma palestra juntos na universidade e um 

estudante perguntou a ele: "Para que serve a utopia?"

E ele respondeu da melhor forma, eu nunca escutei uma 

resposta melhor. 

Ele disse que se fazia essa pergunta todos os dias, para 

que servia a utopia?

Se é que a utopia servia para alguma coisa..."


Quase pôr-do-sol no Farol de Santa Marta - janeiro de 2015                                                                               Foto: Vilma Gama
"Ele disse: 'vejam bem, a utopia está no horizonte

e se está no horizonte eu nunca vou alcançá-la

porque, se caminho dez passos, a utopia vai se distanciar 

dez passos, e se caminho vinte passos, a utopia vai se 

colocar vinte passos mais além, ou seja, que eu sei que 

jamais, nunca, vou alcançá-la.

Para que serve?

Para isso, para caminhar.'"


Confira a entrevista de Eduardo Galeano l Sangue Latino

https://youtu.be/47aFAIDierM