terça-feira, 21 de abril de 2015

Ó 21 de abril, que intrigas de ouro e sonho, houve em tua formação? - Cecília Meireles



"Romanceiro da Inconfidência" (trecho) 

"Fala inicial"

"Não posso mover meus passos

Por esse atroz labirinto

De esquecimento e cegueira

Em que amores e ódios vão:

- pois sinto  bater os sinos,

percebo o roçar das rezas,

vejo o arrepio da morte,

à voz da condenação;



                                                A pintora  Cecília Meireles

- avisto a negra masmorra

e a sombra do carcereiro

que transita sobre angústias,

com chaves no coração;

- descubro as altas madeiras

do excessivo cadafalso

e, por muros e janelas,

o pasmo da multidão.

Batem patas de cavalos.

Suam soldados imóveis.

Na frente dos oratórios,

que vale mais a oração?

Vale a voz do Brigadeiro

sobre o povo e sobre a tropa,

louvando a augusta Rainha,

- já louca e fora do trono -

na sua Proclamação.


             A poetisa Cecília Meireles

Ó meio-dia confuso,

ó vinte-e-um de abril sinistro,

que intrigas de ouro e de sonho

houve em tua formação?

Quem condena, julga e pune?

Que é culpado e inocente?

Na mesma cova do tempo

Cai o castigo e o perdão.

Morre a tinta das sentenças

e o sangue dos enforcados...

- liras, espadas e cruzes

pura cinza agora são.

Na mesma cova, as palavras,

e o secreto pensamento,

as coroas e os machados,

mentiras e verdade estão.

Aqui, além, pelo mundo,

ossos, nomes, letras, poeira...


                                     A escritora Cecília Meireles

Onde, os rostos? onde, as almas?

Nem os herdeiros recordam

rastro nenhum pelo chão.

Ó grandes muros sem eco,

presídios de sal e treva

onde os homens padeceram

sua vasta solidão...


                                           A professora Cecília Meireles

Não choraremos o que houve,

nem os que chorar queremos:

contra rocas de ignorância

rebenta nossa aflição.

Choraremos esse mistério,

esse esquema sobre-humano,

a força, o jogo, o acidente

da indizível conjunção

que ordena vidas e mundos

em pólos inexoráveis

de ruína e de exaltação.

Ó silenciosas vertentes

por onde se precipitam

inexplicáveis torrentes,

por eterna escuridão!
                                                                    Foto: Vilma Gama

... "Romance XXIV ou Da bandeira da Inconfidência" (trecho)

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras!

Ó vitórias, festas, flores

das lutas da Independência!


                    A jornalista Cecília Meireles

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta:

que não há ninguém que explique,

e ninguém que não entenda!


E a vizinhança não dorme:

murmura, imagina, inventa.

Não fica bandeira escrita,

mas fica escrita a sentença."

                                            Cecília Meireles

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