segunda-feira, 27 de julho de 2015

Melhor vida é a vida que dura sem medir-se - Ricardo Reis


"Melhor vida é a vida que dura sem medir-se"


"Não quero recordar nem conhecer-me.

Somos demais se olharmos em quem somos.

Ignorar que vivemos

Cumpre bastante a vida.



Tanto quanto vivemos, vive a hora

Em que vivemos, igualmente morta

Quando passa conosco,

Que passamos com ela.



Se sabê-lo não serve de sabê-lo

(Pois sem poder que vale conhecermos?)

Melhor vida é a vida

Que dura sem medir-se."


Odes/Ricardo Reis

domingo, 26 de julho de 2015

Poema - Cazuza - Ney Matogrosso

Barco - Jorge Menezes                                                                                                                                            


Momento único, de rara beleza.
Melodia hipnótica. Texto de Cazuza interpretado, magistralmente, por Ney Matogrosso, um artista completo, que dá voz, cor, forma e alma à canção. 
Outra curiosidade: a poesia foi feita para a avó de Cazuza, quando ele tinha apenas 17 anos.



                            "Poema" 




"Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento,

a tempo

Eu acordei com medo e procurei no escuro alguém com seu

carinho

e lembrei de um tempo.

Porque o passado me traz uma lembrança do tempo que 

eu era criança 

e o medo era motivo de choro, desculpa pra um abraço ou 

um consolo

Hoje eu acordei com medo, mas não chorei, nem reclamei

abrigo

Do escuro eu via o infinito sem presente, passado ou futuro

Senti um abraço forte, já não era medo, era uma coisa sua

que ficou em mim (que não tem fim)

De repente a gente vê que perdeu ou está perdendo alguma

coisa

morna e ingênua, que vai ficando no caminho

que é escuro e frio, mas também bonito,

porque é iluminado

pela beleza do que aconteceu há minutos atrás."



    Cazuza*
                                        





Cazuza

* Cazuza nasceu no Rio de Janeiro em  4 de abril de 1958 e faleceu, na mesma cidade, em 7 de julho de 1990.

sábado, 25 de julho de 2015

Dia do Escritor - Literatura e imortalidade - Fernando Pessoa


Certa vez o escritor foi indagado sobre o que pensava ele dos  escritores do momento, seus contemporâneos, prosadores,  
poetas e dramaturgos.




Fernando Pessoa - Citar é ser injusto.Enumerar é esquecer. 



Não quero esquecer ninguém de quem não lembre. 



Confio ao silêncio a injustiça. 



A ânsia de ser completo leva ao desespero de o não poder 



ser. Não citarei ninguém. Julgue-se citado quem se julgue 



com direito a sê-lo. Ressalvo assim todos. Lavo as mãos, 



como Pilatos, lavo-as, porém, inutilmente porque é sempre



inutilmente que se faz um gesto simplificador. Que sei eu 



do presente, salvo que ele é já o futuro? Quem são os 


meus contemporâneos?  Só o futuro o poderá dizer.


Coexiste comigo muita gente que vive comigo apenas



porque chora comigo. Esses são apenas os meus 



conterrâneos no tempo; e eu não quero ser bairrista em



matéria de imortalidade. Na dúvida, repito, não citarei 



ninguém." *





Fernando Pessoa 

em "Portugal entre passado e 
futuro"

* Do livro: "Citações e pensamentos Fernando Pessoa - Organização: Paulo Neves da Silva

Sonhos - William Shakespeare

Vista da janela em 13 de novembro de 2014                                                                                                               Foto: Vilma Gama

"Sonhos"



"Há quem diga que todas as noites são de sonhos.

Mas há também quem garanta que nem todas,

só as de verão.

No fundo isso não tem importância.

O que tem interessa  mesmo não são as noites em si,

são os sonhos.

Sonhos que o homem sonha sempre.

Em todos os lugares, em todas as épocas do ano,

dormindo ou acordado."




William Shakespeare


sexta-feira, 24 de julho de 2015

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas - Rubem Alves

   Victor Luís e o jogo de videogame criado por ele                                                                                                           Foto: Vilma Gama

"Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas"


"Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros 

desaprendam a arte do voo.

Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. 

Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser.

Pássaros engaiolados têm um dono. 

Deixaram de ser pássaros.

Porque a essência dos pássaros

é o voo.


Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados.

O que elas amam são pássaros em voo.

Existem para dar aos pássaros coragem para voar.

Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já 

nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. 

Só pode ser encorajado."


Rubem Alves 



quinta-feira, 23 de julho de 2015

O tempo e as jabuticabas... - Rubem Alves


Texto em prosa maravilhoso: "Quero viver ao lado de gente humana. Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte." 

Para reflexão e deleite:


"O tempo e as jabuticabas..."


"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para 

viver daqui para frente do que já vivi até agora. Tenho mais 

passado do que futuro.

Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de 

jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas 

percebendo que faltam poucas, rói o caroço...

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não 

quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles 

admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis. 

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas 

que, apesar da idade cronológica, são imaturas.

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo

 majestoso cargo de secretário geral do coral. As pessoas

não debatem conteúdos apenas os rótulos. Meu tempo 

tornou-se escasso para debater rótulos quero a essência, 

minha alma tem pressa.

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de 

gente humana, muito humana, que sabe rir de seus 

tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera 

eleita antes da hora e não foge de sua mortalidade.

Caminhar perto das pessoas de verdade. O essencial faz a 

vida valer a pena e para mim basta o essencial."


Rubem Alves

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Poeminha sentimental - Mário Quintana

    Filhote que caiu do ninho                           Foto: Vilma Gama

Filhote que caiu do ninho II          Foto: Vilma Gama
Filhote que caiu do ninho III         Foto: Vilma Gama

















Filhote de volta ao ninho               Foto: Vilma Gama

"Poeminha Sentimental"


"O meu amor, o meu amor, Maria

É como um fio telegráfico da estrada

Aonde vem pousar as andorinhas...

De vez em quando chega uma

E canta

(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)

Canta e vai-se embora

Outra, nem isso,

Mal chega, vai-se embora.

A última que passou

Limitou-se a fazer cocô

No meu pobre fio da vida!

No entanto, Maria, o meu amor é sempre o

mesmo:

as andorinhas é que mudam."



Mário Quintana