domingo, 22 de novembro de 2015

O menino e o rio - Manoel De Barros - CD Crianceiras


Victor Luís na Cachoeira do Paraíso - Jureia - fevereiro de 2015                                                                                  Foto: Vilma Gama

Dizeres Poéticos reverencia o poeta  Manoel de Barros.

No último dia 13 de novembro fez um ano que o poeta 

despediu-se do planeta.

Apresentamos a música O menino e o rio, que faz parte do

 espetáculo Crianceiras.

O Crianceiras, idealizado pelo músico Márcio de Camillo, 

mescla música, teatro, cinema de animação e literatura, e foi

 todo inspirado na obra de Manoel de Barros.

O objetivo de levar poesia ao público infantil foi alcançado 

com sucesso.

As crianças encantadas com o universo de Manoel de

 Barros, trazem sua poesia à tona. Poesia que vai de

 geração em geração florescendo e transformando a vida

 dos que com ela têm contato. As crianças estão contidas 

na poesia de Manoel de Barros.


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Manoel de Barros - O Livro das Ignoranças, Mundo Pequeno e Autorretrato




Dizeres Poéticos apresenta hoje um sarau virtual. No vídeo abaixo poesia na voz poeta, confira...


"O rio que fazia uma volta atrás da nossa casa

era a imagem de um vidro mole que fazia  uma

volta atrás de casa.

Passou um homem depois e disse: Essa volta



que o rio faz por trás de sua casa se chama

enseada.

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro

que fazia uma volta atrás de casa.

Era uma enseada.

Acho que o nome empobreceu a imagem."


_._._.



"Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas

leituras não era a beleza das frases, mas a doença

delas.

Comuniquei ao padre Ezequiel, um meu preceptor, 

esse gosto esquisito.

Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.

- Gostar da fazer defeitos na frase é muito saudável,

o padre me disse.

Ele fez um limpamento em meus receios.

O padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,

pode muito que você carregue para o resto da vida

um certo gosto por nadas...

E se riu.

Você não é de bugre? - ele continuou.

Que sim, eu respondi.

Veja que bugre só pega por desvios, não anda  em

estradas

Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas

e os ariticuns maduros.

Há que apenas saber errar bem o seu idioma.

Esse padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de

agramática."


quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A espantosa realidade das cousas - Alberto Caeiro

São Paulo - dezembro de 2014                                                                                                                                   Foto: Vilma Gama

"A espantosa realidade das cousas"





"A espantosa realidade das cousas

É a minha descoberta de todos os dias.

Cada cousa é o que é,

E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,

E quanto isso me basta.



Basta existir para se ser completo.



Tenho escrito bastantes poemas.

Hei de escrever muitos. Naturalmente.



Cada poema meu diz isto,

E todos os meus poemas são diferentes,

Porque cada cousa que há é uma maneira de dizer isto.



Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.

Não me ponho a pensar se ela sente.

Não me perco a chamar-lhe minha irmã.

Mas gosto dela por ela ser uma pedra.

Gosto dela porque ela não sente nada.

Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.



Outras vezes oiço passar o vento,

E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter 

nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;

Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem 

estorvo,

Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;

Porque o penso sem pensamentos

Porque o digo como as minhas palavras o dizem.



Uma vez chamaram-me poeta materialista,

E eu admirei-me, porque não julgava

Que se me pudesse chamar qualquer cousa.

Eu nem sequer sou poeta: vejo,

Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho;

O valor está ali, nos meus versos,

Tudo isso é absolutamente independente da minha 

vontade."



Alberto Caeiro

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Eu escrevi um poeminha triste - Mário Quintana

                                                                                                                                                                                        Foto: Vilma Gama


"Eu escrevi um poeminha triste"


"Eu escrevi um poema triste

E belo, apesar da sua tristeza.

Não vem de ti essa tristeza

Mas das mudanças do Tempo,

Que ora nos traz esperanças

Ora nos traz incerteza...

Nem importa, ao velho Tempo,

Que sejas fiel ou infiel...

Eu fico, junto à correnteza,

Olhando as horas tão breves...

E das cartas que me escreves

Faço barcos de papel!"



Mário Quintana

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Celebração de 1 ano do blog. Viva! Os geniais Leminski e Manoel de Barros falam sobre criança


Victor Luís - janeiro de 2015 - Farol de Santa Marta - SC                                                                                      Foto: Vilma Gama


Olá a todos os leitores do blog Dizeres Poéticos, há um tempo não nos encontramos! 
E por falar em tempo, no último dia 5 de outubro a página comemorou 1 ano, que significa a infância de sua existência. 
E para comemorar a infância, os geniais Paulo Leminski (poema) e Manoel de Barros (videopoema - Histórias da unha do dedão do pé do fim do mundo):  


"Nesta vida,
pode-se aprender três coisas de uma criança:
estar sempre alegre,
nunca ficar inativo
e chorar com força por tudo o que se quer."

Paulo Leminski



terça-feira, 18 de agosto de 2015

Seiscentos e Sessenta e Seis - Mário Quintana

Prainha - Farol de Santa Marta - SC                                                                                                                        Foto: Américo Rodrigues

"Seiscentos e Sessenta e seis"



"A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são seis horas: há tempo...

Quando se vê, já é sexta-feira...

Quando se vê, passaram 60 anos...

Agora, é tarde demais para ser reprovado...

E se me dessem - um dia - outra oportunidade,

eu nem olhava o relógio

seguia sempre, sempre em frente...


E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas."







Mário Quintana

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

As mãos de meu pai - Mário Quintana

                                                                                                                                                                                      Foto: Vilma Gama

Há um tempo não publico nada por aqui. 
Há um tempo não muito distante meu pai deixou este planeta. 
Há uma semana e meia o blog completou 10 meses. 
E a roda viva do tempo não para.


"As mãos de meu pai"



"As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis

sobre um fundo de manchas já da cor da terra

- como são belas as tuas mãos

pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre 

cólera dos justos...

Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que 

se chama simplesmente vida.

E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços da tua 

cadeira predileta,

uma luz parece vir de dentro delas...

Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente, vieste 

alimentando na terrível solidão do mundo,

como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o 

vento?

Ah, como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das tuas

mãos!

E é, ainda, a vida que transfigura as tuas mãos nodosas...

essa chama de vida - que transcende a própria vida...

e que os Anjos, um dia, chamarão de alma."



Mário Quintana


*Poema publicado originalmente no livro Esconderijo do Tempo, retirado de Poesia Completa - Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 491)

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Ah! Os relógios - Mário Quintana


Ontem, 30 de julho, se estivesse aqui pelo planeta, Mário Quintana completaria 109 anos.
Em homenagem ao adorável poeta o blog publica hoje os poemas “Ah! Os relógios” – “Relógio” – que tratam do tempo;  e ainda, “Sesta antiga”  - “Canção da garoa” – “Os arroios” – “Os Poemas” – que falam por si. 
Boa leitura! 
Viva Quintana!




"Ah! Os relógios"


"Amigos, não consultem os relógios

quando um dia eu me for de vossas vidas

em seus fúteis problemas tão perdidas

que até parecem mais uns necrológios...



Porque o tempo é um invenção da morte:

não o conhece a vida - a verdadeira -

em que basta um momento de poesia

para nos dar a eternidade inteira.



Inteira, sim, porque essa vida eterna

somente por si mesma é dividida:

não cabe, a cada qual, uma porção.



E os Anjos entreolham-se espantados

quando alguém - ao voltar a si da vida -

acaso lhes indaga que horas são..."


Gonzaguinha e Mário Quintana

Relógio - Mário Quintana




"Relógio"



"O mais feroz dos animais domésticos

é o relógio de parede:

conheço um que já devorou

três gerações da minha família."



Mário Quintana

Sesta antiga e Canção da garoa - Mário Quintana


  

"Sesta antiga"


"A ruazinha lagarteando ao sol.

O coreto de música deserto

Aumenta ainda mais o silêncio.

Nem um cachorro.

Este poeminho

É só o que acontece no mundo..."


Mário Quintana


Os arroios - Mário Quintana


"Os arroios"


"Os arroios são rios guris...

Vão pulando e cantando dentre as pedras.

Fazem borbulhas d'água no caminho: bonito!

Dão vau aos burricos,

às belas morenas,

curiosos das pernas das belas morenas.

E às vezes vão tão devagar

que conhecem o cheiro e a cor das flores

que se debruçam sobre eles nos matos que atravessam

e onde parece quererem sestear.

Às vezes uma asa branca roça-os, súbita emoção

como a nossa se recebêcemos o miraculoso encontrão

de um anjo...

Mas nem nós nem os rios sabemos nada disso.

Os rios tresandam óleo e alcatrão

e refletem, em vez de estrelas,

os letreiros das firmas que transportam utilidades.

Que pena me dão os arroios,

os inocentes arroios..."



Mário Quintana

Os poemas - Mário Quintana

Na janela de casa                                                                                                                                                         Foto: Vilma Gama

"Os poemas"


"Os poemas são pássaros que chegam

não se sabe de onde e pousam

no livro que lês.



Quando fechas o livro, eles alçam voo

como de um alçapão.

Eles não têm pouso

nem porto

alimentam-se um instante em cada par de mãos

e partem. 

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,

no maravilhoso espanto de saberes

que o alimento deles já estava em ti..."





*Fonte: Quintana, Mário, Esconderijos do tempo, Porto Alegre: L&PM, 1980

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Não tenho pressa - Alberto Caeiro


"Não tenho pressa"


"Não tenho pressa. Pressa de quê?

Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.

Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,

Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.

Não; não sei ter pressa.

Se estendo o braço, chego exatamente aonde

                                           [o meu braço chega -

Nem um centímetro mais longe.

Toco só onde toco, não aonde penso.

Só me posso sentar aonde estou.

E isto faz rir como todas as verdades absolutamente 

verdadeiras,

Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre 

noutra coisa,

E vivemos vadios da nossa realidade.

E estamos sempre fora dela porque estamos aqui."


Alberto Caeiro