sábado, 22 de novembro de 2014

Escritos de 1922 - Maiakóvski


Uma pessoa pode ser só coração? A resposta poética é de Maiakóvski, que subverte a anatomia, neste trecho do poema "Amo" dedicado a Lila Brik, escrito em 1922.



"Cada um ao nascer

traz sua dose de amor,

mas os empregos,

o dinheiro,

tudo isso,

nos resseca o solo do coração...
...Nos corações, nos relógios

bate o pêndulo dos amantes.

Como se exaltam as duplas no leito de amor!

Eu, que sou a Praça da Paixão*,

surpreendo o pulsar selvagem

do coração das capitais.

Desabotoado, o coração quase de fora,

abria-me ao sol e aos jatos d'água.

Entrai com vossos paixões!

Galgai-me com vossos amores!

Doravante não sou mais dono de meu coração!

Nos demais - eu sei,

qualquer um o sabe -

o coração tem domicílio

no peito.

Comigo

a anatomia ficou louca.

Sou todo coração -

em todas as partes palpita.

Oh! quantas são as primaveras

em vinte anos acesas nesta fornalha!

Uma tal carga

acumulada

torna-se simplesmente insuportável.

Insuportável

não para o verso

de veras." 

*Antiga praça de Moscou, atual  Praça Púchkin.
     

















sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Versos que ultrapassam os séculos - Maiakóvski

Flor de lótus

Trecho imensamente poético de uma das poesias militantes de Maiakóvski. Os versos foram compostos com tanta força e beleza que ultrapassam os séculos. O poema é dedicado a Vladimir Ilitch Lênin, por ocasião de sua morte, em 1924.


..."Por acaso seremos nós

que nos vamos desmanchar

numa poça de lágrimas?

Nosso saber é nossa força, nossa arma.

As pessoas? São como barcos fora d'água.

Antes que tenham vivido o seu pedaço

uma infinidade de variados moluscos

gruda-se-lhes ao casco.

E após, tendo vazado a furiosa tormenta,

a gente se assenta mais perto do sol

para retirar a barba verde das algas

e a gelatina alaranjada das medusas.

... Tenho medo destes versos

ante mim tendidos às centenas.

Como um menino temo a falsidade.

Se sobre sua cabeça formarem uma auréola,

temo que ocultem

a autêntica, a humana, a sábia,

a imensa fronte de Lênin."





quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Dia da Consciência Negra - Só existe uma raça: a humana

 A imagem que fica registrada neste 20 de novembro, dia da Consciência Negra é esta acima. Imagem que quebra o paradigma do racismo, da segregação. "One love/ One heart", disse Bob Marley. Uma só raça humana, que é composta de pessoas de todas as etnias.. As crianças de todas as idades devem saber disso.
Crianças, e por falar nelas...
Uma menina, Karoliny Scarabel Akatsu, que provavelmente tem 10 anos, pois cursa o 5º ano na escola, escreveu um poema sobre o racismo. O tema da poesia dela pode ter fim e se tornar relíquia do passado, pois depende de atitudes humanas, das nossas atitudes.


Adicionar legenda

O dia 20 de novembro, data da morte do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, foi escolhido para ser um dia que marque a resistência contra o absurdo racismo, que serviu de suporte para a escravidão, contra a qual Zumbi lutou. Racismo este existente até hoje em nosso país. Vamos dar uma resposta verdadeiramente humana a isso.

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Maiakóvski

O poeta russo Vladimir Maiakóvski nos indaga do alto do século XX sobre o que queremos. Com sua poesia ele nos infla de coragem para que possamos romper ao meio a barreira das ameaças e das guerras, sejam elas quais forem.

"E então que quereis?..."

"Fiz ranger as folhas de jornal

abrindo-lhes as pálpebras piscantes.

E logo

             de cada fronteira distante

subiu um cheiro de pólvora

            perseguindo-me até em casa.

Nesses últimos vinte anos

                                 nada de novo há

no rugir das tempestades.

                          Não estamos alegres,

é certo,

            mas também por que razão

haveríamos de ficar tristes?

O mar da história

                            é agitado.

As ameaças

                  e as guerras

                                    havemos de atravessá-las

rompê-las ao meio,

                               cortando-as

como uma quilha corta as ondas."

                                                              (1927)

                                                            Maiakóvski

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Repelindo o absurdo cotidiano

                          Um recorte de São Paulo. Vista do 17º andar. Minha nova paisagem.  (18.11.14)                  Foto: Vilma Gama                                                                         
Falar sobre o cotidiano é simples e complexo. Milhões de desejos, frustrações, realizações. Milhões de dores e contentamentos. De sonhos e pesadelos é formado o cotidiano. Se pudéssemos ressuscitar alguém do século XX, quem seria o eleito? O poeta Vladímir Maiacovski nos aponta a resposta no belíssimo poema "A propósito disto", destaque para o trecho "O amor", o qual reproduzo abaixo.

"O amor"

"Um dia, quem sabe,

ela, que também gostava de bichos,

apareça

         numa alameda do zoo,

sorridente,

                 tal como agora está

                    no retrato sobre a mesa.

Ela é tão bela,

       que, por certo, hão de ressuscitá-la.

Vosso Trigésimo Século

                           ultrapassará o enxame

de mil nadas,

                      que dilaceravam o coração.

Então,

        de todo amor não terminado

seremos pagos

                       em inúmeráveis noites de estrelas.

Ressuscita-me,

                       nem que seja só porque te esperava

                                                         como um poeta,

repelindo o absurdo cotidiano!  

Ressuscita-me,

                        nem que seja só por isso!

Ressuscita-me!

                        Quero viver até o fim o que me cabe!

Para que o amor não seja mais escravo

de casamentos,

       consupiscência,

                            salários.

Para que, maldizendo os leitos,

                                  saltando dos coxins,

o amor se vá pelo universo inteiro.

Para que o dia,

                          que o sofrimento degrada,

não vos seja chorado, mendigado.

E que, ao primeiro apelo:

                                       - Camaradas!

atenta se volte a terra inteira.

Para viver

                livre dos nichos das casas.

Para que

                doravante

                           a família 

                                       seja

o pai,

       pelo menos o Universo;

a mãe,

       pelo menos a Terra."

                                                
                               (1923)

                              Maiakóvski

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Despalavra: a palavra incapaz de ocupar o lugar de uma imagem


                                                                                                                                                                                     Foto: Vilma Gama


Nessa poesia Manoel de Barros debruça-se sobre a palavra, desvenda seus mistérios. Caminhos encantados pelo poeta em seus 74 anos de trabalho.


"Agora só espero a despalavra: a palavra nascida

para o canto - desde os pássaros.

A palavra sem pronúncia, ágrafa.

Quero o som que ainda não deu liga.

Quero o som gotejante das violas de cocho.¹

A palavra que tenha um aroma ainda cego.

Até antes do murmúrio.

Que fosse nem um risco de voz.

Que só mostrasse a cintilância dos escuros.

A palavra incapaz de ocupar o lugar de uma

imagem.

O antesmente verbal: a despalavra mesmo."



Manoel de Barros



¹Estão registrados nas anotações antropológicas do mestre Roquete Pinto os
sons gotejantes da viola de cocho. A expressão é conhecida entre os índios
guatós da beira do Cracará. A viola de cocho é levianinha e só tem quatro
cordas feitas de tripa de bugio. É com ela que se acompanha o cururu,
dança de origem indígena, disseminada entre os ribeirinhos do Cuiabá e
do rio Paraguaio.

domingo, 16 de novembro de 2014

José Saramago - Janela da Alma

Hoje (16) o escritor português José Saramago completaria 92 anos. Nascido na aldeia de Azinhaga, província de Ribatejo, em 16 de novembro de 1922, ele faleceu em  18 de junho de 2010.
Saramago recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 1998.
Escreveu o maravilhoso livro "Ensaio sobre a cegueira".
No  documentário "Janela da Alma" (2002), de João Jardim e Walter Carvalho, Saramago fala sobre a cegueira e sobre o sentido mais privilegiado pela humanidade, a visão. Neste trecho do filme há também o depoimento do cineasta Win Wenders. 



"Estamos a destruir o planeta e o egoísmo de cada geração

 não se preocupa em perguntar como é que vão viver os que


 virão depois. A única coisa que importa é o triunfo do agora.


 É a isto que eu chamo a cegueira da razão."



José Saramago