segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Despalavra: a palavra incapaz de ocupar o lugar de uma imagem


                                                                                                                                                                                     Foto: Vilma Gama


Nessa poesia Manoel de Barros debruça-se sobre a palavra, desvenda seus mistérios. Caminhos encantados pelo poeta em seus 74 anos de trabalho.


"Agora só espero a despalavra: a palavra nascida

para o canto - desde os pássaros.

A palavra sem pronúncia, ágrafa.

Quero o som que ainda não deu liga.

Quero o som gotejante das violas de cocho.¹

A palavra que tenha um aroma ainda cego.

Até antes do murmúrio.

Que fosse nem um risco de voz.

Que só mostrasse a cintilância dos escuros.

A palavra incapaz de ocupar o lugar de uma

imagem.

O antesmente verbal: a despalavra mesmo."



Manoel de Barros



¹Estão registrados nas anotações antropológicas do mestre Roquete Pinto os
sons gotejantes da viola de cocho. A expressão é conhecida entre os índios
guatós da beira do Cracará. A viola de cocho é levianinha e só tem quatro
cordas feitas de tripa de bugio. É com ela que se acompanha o cururu,
dança de origem indígena, disseminada entre os ribeirinhos do Cuiabá e
do rio Paraguaio.

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