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O Sol |
Entre Maiakóvski e o Sol, feixes de luz e versos...
"A extraordinária aventura acontecida a Vladimir Maiakóvski, certo verão, no campo"
"Cem sóis flamejavam no horizonte.
O pleno verão se despejava em julho.
Um tremendo calor boiava no ar
e isto aconteceu no campo.
Puchkino tem às costas
a corcunda do Monte Akula
enquanto a seus pés
uma aldeia retorce a casca enrugada
de seus telhados.
Atrás da aldeia havia
um buraco
onde todos os dias
lento e majestoso
o sol se escondia.
E a cada manhã
dali se levantava
rubro como sempre
para inundar o mundo.
Dia após dia
aquilo se repetia
até que acabou por me irritar
terrivelmente.
Enfim, num acesso de cólera
capaz de tudo abalar de medo,
gritei direto à cara do sol:
'Ei, tu! Desce daí!
Sai dessa cova piolhenta!'
Gritei-lhe nas bochechas:
'Tu, pedaço de vagabundo
vives deitado num berço de nuvens
enquanto eu tenho que ficar
aqui sentado
seja inverno ou verão
a desenhar cartazes'.
Bradei-lhe nas barbas:
'Espera!
Escuta, seu carranca de ouro,
por que, em vez de flanar por aí,
não vens me fazer uma visitinha?'
Que fiz eu!
Agora estou frito!
Eis que
em minha direção
o sol em pessoa
avança.
Suas pernas de luz
a largos passos
marcham sobre os campos.
Fingindo não estar assustado
ensaio a retirada.
Seus olhos agora
atingem o jardim.
Já o atravessam agora.
Através das janelas,
portas,
frestas,
penetra a massa solar.
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Praia do Cardoso - Farol de Santa Marta - SC Foto: Vilma Gama |
E logo ao entrar,
recobrando o fôlego, diz
numa voz de baixo-profundo:
'Pela primeira vez
desde a criação do mundo
suspendi minha função.
Tu me convidaste?
Pois então, poeta,
tomemos o chá.
E não dispenso a geleia!'
Olhos lacrimejantes -
eu estava louco de calor -
apontei-lhe o samovar:
'Bem, queira sentar-se
meu astro!'
Ah! que diabo me fez soltar
aqueles insultos ao sol!
Encabulado
sentei-me na ponta da cadeira
com medo do que pudesse acontecer.
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Praia do Cardoso - pôr-do-sol Foto: Vilma Gama |
Mas do sol fluía
uma estranha, serena luz
e dentro em pouco
já à vontade
os dois nos pusemos a conversar.
Falei-lhe de coisa e loisa
e de como a Rosta me arrasava.
Disse-me então o sol:
'Não te aflijas tanto.
Faze tudo o que te cabe.
Pensas, por acaso,
que para mim é fácil
isso de iluminar?
Experimenta e verás!
Mas, visto que assumi
o encargo de dar luz à terra,
pois então ilumino
o melhor que posso!'
E assim charlamos
até o escurecer...
perdão, até o momento
em que antes era noite.
Pois que espécie de escuridão
pode existir
quando o sol está presente?
Já agora, íntimos um do outro,
nos tuteamos* familiarmente.
Já agora, amigavelmente,
dou-lhe palmadinhas nas costas.
Então disse o sol:
'Bem, cá estamos, meu velho.
Tu e eu formamos uma dupla.
Voemos, poeta,
à altura das águias.
Cantemos
para espantar as trevas do mundo.
Eu derramo luz
e tu outro tanto fazes
esparzindo teus versos'.
O muro das sombras,
prisão das noites,
tombou
ao impacto gêmeo
dos canhões solares.
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Prainha - Farol de Santa Marta - SC Foto: Vilma Gama |
Feixes de luz e versos
brilhai quanto puderdes!
Se o outro te fatiga
e a noite pretende espichar
sua estúpida cabeça sonolenta
então compete a mim
erguer-me e brilhar
para que de novo ressoe
o carrilhão do dia.
Iluminar sempre
por toda a parte,
até o último alento
iluminar!
O resto não importa.
Tal é o meu lema,
igual ao do sol."
Maiakóvski
* Tutear - Tratar-se mutuamente por tu: Os portugueses tuteiam-se. O par tuteava-se com o rei.